"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

O cenário das civilizações antigas

“Civilização é tanto os laboratórios dos cientistas quanto os sótãos dos artistas. É tanto as formas de posse de terra quanto suas paisagens”. 
Niall Ferguson 

A história das sociedades tem origem no Oriente, onde, por volta do III milênio a.C., alguns povos já haviam inventado sistemas de registros escritos (instrumentos de poder) e tinham chegado a um nível complexo de existência. Tinham uma cultura, uma civilização.

O uso de sistemas escritos, todavia, era um  privilégio das classes dominantes - desde as origens das civilizações ocorreu o controle da expressão e da comunicação das palavras e das ideias; a grande massa da população permaneceu ágrafa.

A passagem das sociedades neolíticas para o estágio civilizatório não se explica apenas pela criação e utilização dos registros escritos. A aurora da civilização significa, acima de tudo, uma série de mudanças na maneira como os homens viviam e pensavam: (1) ocorre, gradativamente, o abandono da caça e da coleta. Com isso, os homens deixam a vida nômade e sedentarizam-se. Desenvolvem a agricultura de regadio, inventam o arado,  a roda, constroem canais de irrigação, barragens e iniciam a domesticação de animais; (2) surgem as vilas, as cidades e a vida urbana. Desenvolvem técnicas de construção (uso de arcos e colunas); fazem tijolos; constroem templos, palácios, pirâmides, aquedutos;(3) desenvolvem a metalurgia do cobre, do bronze e do ferro; fazem vasos de cerâmica; preparam papiros e pergaminhos; (4) o comércio se desenvolve; inventam a moeda; (5) desenvolvem conhecimentos matemáticos e geométricos; criam unidades de peso e medida; inventam calendários; desenvolvem estudos de astronomia e medicina; (6) surge o Estado (instrumento de coerção).

O historiador francês Fernand Braudel assim definiu o termo "civilização":

“Em primeiro lugar, um espaço, uma ‘área cultural [...], um lócus. Com o lócus você deve imaginar uma grande variedade de ‘bens’, de características culturais, desde a forma das casas, o material com que são construídas, seus telhados, até habilidades como a colocação de plumas em flechas, um dialeto ou grupo de dialetos, as preferências culinárias, uma determinada tecnologia, uma estrutura de crenças, um modo de fazer amor, e até mesmo o compasso, o papel, a imprensa. É o agrupamento regular, a freqüência com que determinadas características ocorrem, sua ubiqüidade em uma área precisa [...] alguma espécie de permanência temporal [...]” 

As primeiras civilizações surgiram em regiões banhadas pelos grandes rios: na Índia (rio Indo), na China (rio Amarelo), na Mesopotâmia – “terra entre rios” (rios Tigre e Eufrates) e no Egito (rio Nilo). Dois rios correm próximos a planícies costeiras do Mediterrâneo: o Orontes (Síria) e o Jordão (Palestina). Essas regiões banhadas pelos rios têm a forma de meia-lua. Por isso constituem o que denominamos de Crescente Fértil. Nela há desertos (como o Arábico) e planaltos (como o da Anatólia). O clima é quente e úmido. Essas regiões foram palco de incessantes lutas entre os povos que disputavam os seus espaços e de ataques de povos nômades. As migrações expandiram as práticas civilizatórias.

O Extremo Oriente durante a Antiguidade viveu processos históricos independentes do Mediterrâneo. Esse afastamento não significou, entretanto, ausência de contatos: a área dos atuais Afeganistão e Paquistão foi intermediária entre as diversas civilizações, propiciando mútuas interações comerciais e culturais. A "rota da seda" faz parte desse processo civilizatório.

As sociedades da Antiguidade Oriental adotaram como forma de governo a Monarquia Teocrática. Seus governantes afirmavam ter poderes concedidos pelos deuses: Faraó (Egito), Patesi (Mesopotâmia). 

A economia dessas sociedades era baseada na agricultura. Milhares de camponeses cultivavam o trigo e a cevada (Egito, Mesopotâmia) e o arroz (Extremo Oriente). Esses trabalhadores cultivavam terras que não lhes pertenciam. Entregavam uma boa parte dos produtos cultivados, como forma de tributos, ao Estado e aos templos. Na época das cheias eles eram remanejados para o trabalho de construção de templos, palácios, pirâmides, canais de irrigação, represas...

Os fenícios se dedicaram ao comércio marítimo. Os assírios viviam da exploração de populações vencidas e saqueadas. Os hebreus eram pastores.

Quase todas as sociedades do Oriente Antigo cultuavam numerosos deuses (politeístas). Constituíam exceções os persas (dualistas) e os hebreus (monoteístas).

Essas sociedades, sedentarizadas nas proximidades dos rios e constantemente enfrentado ataques dos nômades dos desertos e das montanhas, apresentavam profunda desigualdade social. Situação essa que era justificada pelas religiões existentes. Nobres e sacerdotes eram os elementos privilegiados dessas sociedades. 

Nas terras do continente que viria a ser chamado de América, os focos irradiadores de processos civilizatórios localizaram-se no sudeste do México e da América Central - Mesoamérica -, com suas várzeas férteis e as florestas tropicais, e na região andina. O milho, domesticado por volta de 2700 a.C., era a base das sociedades indígenas americanas: Olmecas, Maias, Zapotecas... Essas sociedades mantiveram-se isoladas das demais regiões do mundo até o século XV, quando da conquista europeia do Novo Mundo.

Enquanto as planícies constituíam o cenário em que se desenvolveram as civilizações fluviais, o Mar Mediterrâneo constituiu o cenário das civilizações hebraica, fenícia, cretense, grega, etrusca e romana.

Em tempos diferentes, as sociedades grega e romana, se expandiram pelo Mar Mediterrâneo. De um início seminômade, os gregos evoluíram para uma vida sedentária, vivendo do cultivo da terra e do comércio marítimo. Suas embarcações singraram o Mediterrâneo; muitas colônias foram fundadas pelo litoral. As cidades-Estados (Atenas, Esparta, Corinto, Tebas) tinham no trabalhador escravo a mão-de-obra essencial da vida econômica.

Roma acabou tornando-se senhora de vasto Império, que teve como eixo o Mar Mediterrâneo. De pastores, os romanos converteram-se em camponeses e aristocratas que viviam da exploração das regiões conquistadas e do trabalho escravo.

O historiador Perry Anderson mostra que:


"A Antiguidade greco-romana sempre constituiu um universo centralizado em cidades. O esplendor e a solidez da antiga pólis helênica e da posterior República Romana, que ofuscaram tantos períodos subsequentes, traduziam um nível de organização e de cultura urbanas, que jamais seria igualado em outro milênio. A Filosofia, a Ciência, a Poesia, a História, a Arquitetura, a Escultura, o Direito, a administração, a economia, os impostos, o voto, o debate, o recrutamento - tudo isto chegou a níveis de sofisticação e de força inigualáveis [...] O Mundo Clássico era inalterável e maciçamente rural em suas proporções quantitativas básicas. A agricultura representou, através de sua História, o setor inteiramente dominante da produção, fornecendo, invariavelmente, as principais fortunas das próprias cidades. As cidades greco-romanas nunca foram, predominantemente, comunidades de artífices, de mercadores ou de negociantes; elas eram, em sua origem e princípio, conglomerados urbanos de proprietários de terras. Cada agrupamento municipal, fosse da democrática Atenas, da oligárquica Esparta ou da senatorial Roma, era essencialmente dominado por proprietários agrários. Sua renda provinha do trigo, do azeite e do vinho - os três grandes produtos básicos do Mundo Antigo, vindos de terras e fazendas, fora do perímetro físico da própria cidade."

As sociedades antigas mantiveram intensos contatos umas com as outras: localizavam-se ao longo de rios navegáveis e de rotas terrestres. O grande centro de comunicação – e de encontros – do mundo antigo foi a bacia do Mediterrâneo. Mercadores, artesãos, mercenários, artistas se deslocavam em busca da sobrevivência. Ideias, técnicas e estilos artísticos eram intercambiados e absorvidos por toda parte. Os portos tornaram-se centros de contato entre as diferentes civilizações, tanto do ponto de vista comercial como cultural. 


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p.23-26.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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