"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 31 de março de 2017

A poesia lírica na Grécia Antiga

Safo e Alceu, Lawrence Alma-Tadema

A poesia épica definhou rapidamente, Mas outra nasceu, marcada ao mesmo tempo pela influência da música oriental e do individualismo dos gregos: a lírica. No que tange à música, tanto aos instrumentos quanto à melodia, o contato com a Lídia, por sua vez herdeira da Frígia, foi por certo determinante. O fato de os gregos atribuírem esta ou aquela inovação técnica a alguns de seus compatriotas não pode dissimular a realidade dos empréstimos que, sem dúvida, foram tomados aos legados da civilização cretense. Tudo isso lançou profundas raízes no patrimônio grego, penetrando o ritual das cerimônias religiosas. O lirismo coral, acompanhado das danças e evoluções ritmadas de grupos de homens, moças e crianças, em parte alguma recebeu maiores homenagens do que em Esparta. A música tornou-se elemento integrante da educação dos jovens gregos, por vezes até a idade de trinta anos.

Mas, além de terem inventado para sua poesia lírica metros de infinita variedade, os gregos ousaram utilizá-la a fim de exprimir sentimentos pessoais, defender-se de seus acusadores e passar à acusação, colocar-se em cena, por vezes despudoradamente, cantar seus ódios e seus amores, dores e alegrias. A partir do século VII a.C. foram inventados a elegia, o iambo e a ode, incessantemente aperfeiçoados e flexibilizados com uma riqueza inesgotável de ágeis combinações. Foram praticados por numerosos poetas, dos quais, infelizmente, nenhuma obra inteira nos resta. O legislador Sólon serviu-se da poesia para apoiar sua ação política e social. Teognis de Mégara derramou nela a sua cólera; Esparta encontrou nos estrangeiros os melhores de seus poetas cívicos. Mas a maioria dos líricos, nascidos ou tendo vivido nas cidades da Ásia Menor ou das ilhas, cantou, ora as alegrias, ora os ardores da vida sensual que a riqueza e a proximidade do Oriente aí faziam eclodir. Os dois maiores nomes são os de dois mitilênios do começo do século VI a.C., cujos fragmentos nos permitem conhecê-los de forma bastante precisa: Alceu e a poetisa Safo. Neles não se nota constrangimento algum; seu frenesi é indiferente às conveniências banais. Safo ostenta uma paixão que já parece escandalosa à Antiguidade, e Alceu celebra, por um apelo à embriaguez, a morte de um tirano detestado.

AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. O Oriente e a Grécia Antiga: o homem no Oriente Próximo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 119-120. (História geral das civilizações, v. 2)

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