"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 29 de outubro de 2016

O sexo das mulheres: mistério e prazer (Parte 3)

A banhista, Ingres 

A sexualidade das mulheres: um mistério, e considerado como tal.

Misteriosa, a sexualidade feminina atemoriza. Desconhecida, ignorada, sua representação oscila entre dois polos contrários: a avidez e a frigidez. No limite da histeria.

Avidez: o sexo das mulheres é um poço sem fundo, onde o homem se esgota, perde suas forças e sua vida beira a impotência. É por isso que para o soldado, o atleta, que precisam de todas as suas forças para vencer, há a necessidade de se afastarem das mulheres. Segundo Kierkegaard, "a mulher inspira o homem enquanto ele não a possui". Essa posse o aniquila. Esse medo da sexualidade da mulher que não se pode jamais satisfazer é a origem do fiasco, temor constante de Stendhal.

Frigidez: a ideia segundo a qual as mulheres não sentem prazer, não desejam o ato sexual, uma canseira para elas, é bastante difundida. Balzac, em La Physiologie du mariage, texto alusivo e preciso ao mesmo tempo, mostra mulheres que alegam estar com enxaqueca para furtar-se ao dever conjugal, o qual, no entanto, é prescrito por seus confessores.

Daí surge, para os homens, a necessidade, a justificativa de procurar o prazer em outro lugar: amantes, prostitutas, mulheres sedutoras das casas de má fama, em plena expansão no século XIX, são encarregadas de remediar essa "miséria sexual".

Os homens sonham, cobiçam, imaginam o sexo das mulheres. É a fonte do erotismo, da pornografia, do sadomasoquismo. E provavelmente da excisão das meninas, prática largamente difundida ainda hoje na África muçulmana, e mesmo na Europa, em consequência das migrações. O prazer feminino é tolerável?

As mulheres cuja sexualidade não tem freios são perigosas. Maléficas, assemelham-se a feiticeiras, dotadas de "vulvas insaciáveis". Mesmo quando ficam velhas, fora da idade permitida para o amor, as feiticeiras têm a reputação de cavalgar os homens, de tomá-los por trás, o que, na cristandade, é contrário à posição dita natural: em suma, têm a reputação de fazer amor como não se deve fazer. Diana figura a sexualidade liberada. A feiticeira alimenta a escuridão das noites de sabá.

A histérica é a mulher doente de seu sexo, sujeita a furores uterinos que a tornam quase louca, objeto da clínica dos psiquiatras. Charcot, nas segundas-feiras do hospital de Salpêtrière, perscruta seus movimentos convulsivos, que explodem, por vezes, em manifestações coletivas de internatos ou de fábricas no século XIX. Novas feiticeiras, as convulsionárias assemelham-se às possuídas de Loudun que Urbain Grandier tentava exorcizar. Mas é o seu útero, e não o diabo que é incriminado. A histeria abre o caminho para o caminho para as "doenças das mulheres" e para a psiquiatrização e psicanálise dessas doenças.

A toalete matutina, Christoffer Wilhelm Eckersberg

No século XIX, a histérica sofre uma metamorfose, produzindo-se um duplo movimento, identificado por Nicole Edelman: 1) a histeria "remonta" do útero ao cérebro; ela atinge os nervos, doentes. A mulher torna-se "nervosa"; 2) com isso, nota-se uma extensão ao outro sexo. A histeria atinge os homens. "Estou histérico", escreve Flaubert a Sand. Charcot confirma. A guerra acentuará o diagnóstico da bissexualidade da histeria.

A sexualidade consentida, e mesmo exigida, é conjugal. Mas não sabemos muita coisa sobre ela. Altar da sexualidade, o leito conjugal escapa aos olhares. Até a Igreja recomenda discrição aos confessores, apesar de sua reprovação ao pecado de Onan. Não há, entretanto, outro meio de evitar a concepção, e o coito interrompido, numa França que restringe seus nascimentos desde o século XVII, é bastante praticado. "Engana-se a natureza até mesmo nas aldeias", escreve Moheau em Recherches et considérations sur la population de la France (1778). Cada vez mais preocupadas em limitar a dimensão de sua família e prevenir a gravidez não desejada, as mulheres apreciavam os maridos "atentos" e elas próprias sabiam se furtar. Não era sempre que repudiavam as carícias conjugais, longe disso, e queixavam-se da negligência e mesmo da impotência de seus companheiros.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2013. p. 65-7.

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