"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O eterno par de Alexandre Magno: amigos para sempre (Parte 3)

Funeral de Alexandre. Artista desconhecido

Nenhum destes episódios, nem outros que se sucederam durante os onze anos que durou a epopeia de Alexandre, conseguiram separar aqueles dois homens que tinham crescido e brincado juntos no palácio real da Macedônia. Heféstion continuou sempre a acompanhar o seu amigo, foi padrinho do casamento com Roxana, aconselhou-o o melhor que pôde e participou nas gloriosas batalhas, mas sempre vigiado por um chefe mais capaz. Esta posição de privilégio provocou muitas vezes a inveja e o ressentimento de pessoas próximas de Alexandre, como era o caso do excelente general Crátero, com quem Heféstion partilhou funções sem nunca chegarem ao entendimento. De acordo com algumas fontes, a diferença consistia em que Crátero era um philobasileus, ou seja, amante do rei e Heféstion um philoalexandrus, ou seja, amante de Alexandre.

Pouco depois, Alexandre nomeou o seu amigo como vizir, alto cargo dos reinos persas que equivalia a algo como primeiro-ministro. Seguindo a tradição da corte aquemênida, Heféstion passou a usar, a partir daquele dia, o báculo engastado de pedras preciosas para admiração da soldadesca e inveja do secretário imperial, Êumenes, cuja birra de zelo teve de ser firmemente reprimida por Magno.

Heféstion e Alexandre cavalgaram juntos, pela última vez, no Verão de 324, num passeio pacífico pelo Elão e pelo Sul da Babilônia para explorar os grandes rios da Mesopotâmia. O itinerário terminou em Ecbátana, capital da satrapia de Média. O sátrapa Atropates ofereceu aos ilustres visitantes um colossal banquete de boas-vindas, em consequência do qual Heféstion ficou gravemente doente. O vizir das argolas de ouro morreu em Outubro desse ano, proporcionando a inconsolável imagem de Alexandre e Dripetis, que choraram abraçados a sua perda. Êumenes, que procurava agradar ao imperador, propôs que o malogrado herói macedônio fosse homenageado como um deus (deve-se dizer que os Gregos nunca tiveram muito clara a ténue linha que separa os homens dos deuses). Comivido, Alexandre aceitou a ideia - quem sabe também a pensar na sua divinização - e Heféstion recebeu as honras sagradas bum funeral solene na Babilônia, até ao seu sumptuoso túmulo protegido por um enorme leão de pedra. O cadáver foi colocado no sarcófago, com o seu precioso báculo e os seus brincos de ouro e o cargo de vizir jamais voltou a ser ocupado por ordem de Alexandre.

A morte de Heféstion provocou mudanças no carácter de Alexandre, acentuando os seus devaneios de melómano e a sua instabilidade emocional. Comparou-se publicamente a Dioniso e a Héracles e exigiu aos seus vassalos o reconhecimento de sua divindade. [...]

"Plutarco escreveu que Alexandre tinha declarado uma vez que, sem Heféstion, nunca teria sido nada, E é verdade. Heféstion era um guerreiro competente, mas carecia do brilho de outros generais como Parménion ou Crátero. Apesar de tudo, ele estava mais próximo do coração do rei, o que tornou a sua vida difícil: todos os oficiais da corte o invejavam, E isso fez dele um homem solitário e completamente dependente do soberano. Por outro lado, Alexandre podia confiar totalmente em Heféstion." (Jona Lendering. Hephastion)

O imperador adoptou a austeridade espartana e nesse mesmo Inverno dirigiu ferozes expedições de castigo contra os rebeldes das montanhas de Luristão. Depois exigiu que todos os reinos, cidades e satrapias do seu império enviassem embaixadores a prestar-lhe vassalagem como divindade. Continuou a enviar tropas de reconhecimento com o objectivo de continuar a expandir o seu império até a Índia e a outras regiões do Oriente. Para estimular os seus generais e cortesãos, em Junho de 323, ofereceu um prolongado e esplêndido banquete na Babilônia, na sequência do qual ficou muito doente com um presumível delirium tremens alcoólico. Faleceu no dia 13 daquele mês, depois de dez dias de agonia profunda, aos trinta e três anos de idade e doze do glorioso reinado.

É interessante assinalar que, como só sucede em casamentos duradouros, Alexandre não sobreviveu muito tempo a Heféstion. Morreu oito meses mais tarde, de uma causa semelhante e em condições muito análogas às do companheiro de toda a sua vida. E se bem que Heféstion não teria sido ninguém sem ele, também é provável que, sem o afecto e a lealdade de Heféstion, Alexandre tivesse sido menos Magno.

TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Estampa, 2006. p. 49-52.

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