"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 3 de setembro de 2016

Vida privada no século XIX

O bebedor de Absinto, Édouard Manet

O aburguesamento do mundo, no século XIX, consolidou-se na construção de novos valores e padrões de concepções e comportamentos, que passaram a condicionar o dia a dia das pessoas, desde as atitudes sociais até os aspectos mais íntimos da vida privada.

O aburguesamento foi, nesse contexto, o estabelecimento de uma moral burguesa como modo final de contestação da dissolução dos costumes aristocráticos que, até certo ponto, caracterizaram o século XVIII. O núcleo desse processo foi a família, cuja constituição dependia da normatização e do controle do casamento. O casamento e a família representavam os espaços de definição dos papéis masculino e feminino. Ao homem, chefe da família, responsável por seu sustento e manutenção, correspondia o espaço público do trabalho, da rua e das atividades políticas. A mulher devia ser do lar. A ela correspondia o espaço privado, local de confinamento, do controle social e da proteção.

No café, Édouard Manet

* Moral burguesa e papel da mulher. O casamento burguês era rigorosamente monogâmico. Mas só se exigia fidelidade da mulher. As experiências extraconjugais eram não só consideradas normais como até estimuladas... para os homens! Os direitos de marido e pai não eram contestados e incluíam a violência. Castigos físicos (surras) nas crianças e nas esposas eram comuns. Quando muito, condenavam-se os excessos, que não eram raros.

A dupla moral burguesa, que admitia a liberdade masculina e impunha a reclusão das moças e senhoras de família, praticamente determinava a existência generalizada da prostituição.

As mulheres que se atreviam a contestar a ordenação burguesa e machista do mundo eram tratadas como prostitutas ou loucas. A mulher que permanecia solteira e não se tornava religiosa era alvo de estereótipos negativos. Muitas eram internadas pelas próprias famílias em conventos ou asilos para alienados mentais quando seu comportamento fugia dos padrões de moralidade vigente a ponto de "envergonhar" o grupo doméstico a que pertenciam.

Tempos difíceis, Hubert von Herkomer

* Opressão dos pobres. Para a moral burguesa, o principal desvio e contestação era representado pela pobreza. Para o pensamento burguês dominante, ser moral era ser rico. O pobre, portanto, era "imoral", ao qual se reservava a conversão ou a punição. Foram criadas instituições evangélicas (religiosas e leigas) cujo propósito era "converter", moralizando, os pobres. Caso não se convertesse, o pobre era punido, inclusive com a prisão.

A condenação da pobreza representava mais um estigma contra a mulher. Se fosse casada com homem pobre, era obrigada a trabalhar fora, não podendo exercer plenamente sua condição de "mulher do lar".

O aburguesamento do mundo, em especial do europeu, engendrou reações contrárias: mulheres e pobres se calaram. A oposição dos pobres estava presente principalmente nas lutas dos trabalhadores. As mulheres reagiram tanto individual quanto social e politicamente, em instituições e movimentos organizados para enfrentar o poder masculino, dando origem ao feminismo.

* Reação das mulheres. O feminismo, ou luta pelos direitos das mulheres, foi fenômeno típico da segunda metade do século XX. No entanto, suas origens recuam ao final do século XVIII. O movimento pelos direitos das mulheres ganhou expressão política na luta pela conquista do direito de voto, que nas revoluções liberais havia sido universalizado... para os homens!

A luta feminina estendeu-se por todo o século XIX. Em 1882, as várias sociedades feministas formaram a União Nacional das Sociedades em defesa do sufrágio feminino. Muitos homens integraram a luta em prol do voto feminino.

O movimento feminista foi interrompido em 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Em 1918, o voto feminino foi concedido às mulheres casadas, às chefes de família e às universitárias com mais de 30 anos. Só em 1928 o direito de voto foi estendido a todas as mulheres maiores de 21 anos, tal como acontecia com os homens.

NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 370-372.

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