"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Família e sexualidade na Europa Medieval: a família romana

Neste afresco romano, uma sacerdotisa do deus Baco dança tocando pratos. Para os romanos, o amor era fonte de prazer e símbolo da vida, incorporado na religião. A moral cristã tentou reverter essa característica. Vila dos Mistérios, Pompeia.

Na Roma pagã as pessoas casavam mais por dever cívico e interesse político do que por amor. O desejo, o amor e a afetividade ocorriam mais fora do casamento do que dentro dele. A procura do prazer pelo homem fora do casamento, desde que não afetasse a ordem social, era considerada normal.

De maneira geral, a mulher estava submetida à autoridade do homem, primeiro como filha e depois como esposa. Mas, como sempre acontece, essa submissão não era absoluta. Na política e no espaço público, o homem romano, aparentemente, decidia tudo, mas no espaço doméstico predominava a mulher, a administradora do lar. Esta possuía uma posição honrosa, mas tanto a lei como os costumes procuravam limitar o seu espaço às fronteiras domésticas.

O poder do marido era contrabalançado de várias maneiras. A figura do pai, por exemplo, ficava acima da do esposo, pois o matrimônio romano era sine manu, ou seja, a autoridade paterna não se transferia ao marido.

Mesmo na casa do pai, a mulher possuía alguma liberdade. Aquelas em idade de casar podiam administrar os seus bens e escolher seu marido. Mas sua ação era restringida pelo padrão duplo que regia o comportamento sexual: o homem tinha liberdade de procurar o prazer fora do casamento, mas a mulher não.

Convém ressaltar que as informações que temos sobre a mulher na sociedade romana antiga se referem quase exclusivamente às mulheres das famílias aristocráticas. Mas é possível saber que as das classes mais baixas, especialmente as escravas, tinham poucas opções de decidirem sobre as suas vidas. Se os seus senhores as achassem atraentes, tornavam-se suas concubinas.

Essa família romana tradicional, na fase de decadência do Império Romano do Ocidente e de ascensão da Igreja (séculos IV e VI), já estava bastante transformada pelo cristianismo. Este deu oportunidade à mulher de se tornar uma pessoa independente, e não somente filha, mulher e mãe de alguém.

Na visão cristã primitiva, as mulheres são seres espirituais com a mesma potencialidade dos homens para a perfeição moral. No entanto, a evolução do cristianismo primitivo para a institucionalização da religião e a formação da Igreja Católica [...] n]ao favoreceu a mulher.

A vitória do cristianismo na sociedade romana dependeu de uma acomodação entre o comportamento dos cristãos e os interesses do Estado. O radicalismo primitivo, que fazia com que as autoridades romanas vissem o cristão como um mau cidadão, teve de ser atenuado. O casamento e a sexualidade, que antes eram tidos como obstáculos à salvação, passaram a ser compatíveis com a religião.

A acomodação entre a moral romana e a cristã no que se refere à sexualidade foi bastante problemática. O amor era visto pelos romanos como sagrado, misterioso, fonte de vida e de prazer. Os primitivos cultos aos deuses romanos da fertilidade e do amor incluíam o uso de símbolos fálicos e relações sexuais entre os que cultuavam esses deuses.

Bem ao contrário, a sexualidade na moral cristã está ligada ao pecado e, como tal, é uma fraqueza a ser vencida no caminho da salvação. Esse cristianismo primitivo considerava de modo negativo o próprio matrimônio e a procriação. O casamento era visto como uma concessão às exigências do corpo. Os prazeres da vida desviaram o crente do verdadeiro caminho.

A vitória do cristianismo, que acabou se tornando a religião oficial do Império Romano, fez com que a visão romana tradicional sobre a sexualidade fosse suplantada pela moral cristã, mas esta teve de alterar o seu radicalismo original para se tornar aceita pela maioria da população.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 219-221.

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