"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 15 de agosto de 2015

A Idade da Razão: a Ilustração ou Era das Luzes

O Renascimento trouxera a afirmação do homem, do seu espírito de iniciativa, de suas possibilidades intelectuais. No século XVII começou a ganhar força a ideia de que o homem poderia chegar à verdade e a dominar a natureza através da razão e da experiência. Razão e experiência passaram a ser aplicadas sistematicamente pelos estudiosos nos vários campos do saber humano.

Os primeiros estudiosos que investigaram e analisaram fenômenos naturais à luz da razão e buscaram definir um método científico ressaltando o valor da experiência, foram os filósofos Francis Bacon e René Descartes.

Coube aos cientistas aplicar esse método experimental dando origem à ciência moderna. O iniciador da pesquisa sistemática, baseada na formulação de uma hipótese cuja validade as experiências comprovam, foi Galileu. Segundo o mesmo método científico, Newton pôde estruturar a teoria correspondente às experiências realizadas em um período de 150 anos pelos físicos e astrônomos Copernico, Kepler e Galileu.

Neste século e no século seguinte sucederam-se importantes inovações e descobertas científicas que provaram ser o universo um eficiente mecanismo operando segundo leis exatas da natureza.

De acordo com este princípio, vários pensadores do século XVIII acreditaram ser também possível encontrar leis naturais aplicáveis ao homem e à sociedade. O movimento intelectual daí resultante chamou-se Ilustração ou Iluminismo, movimento de ideias inovadoras, propondo-se resolver, pela razão, problemas sociais, políticos, econômicos, culturais, sonhando-se com um mundo perfeito onde haveria paz, justiça e colaboração entre todos os homens.

Uma das figuras mais importantes do século XVIII foi o filósofo inglês John Locke que formulou a teoria dos direitos naturais do homem: vida, liberdade, propriedade, direitos que o governo escolhido pelo povo tinha o dever de assegurar-lhe. Se não o fizesse, o povo tinha o dever de escolher outro governo. As ideias de Locke, largamente difundidas e estudadas, desempenharam papel preponderante na revolução pela independência das treze colônias inglesas na América.

Os homens sendo, como tem sido dito, todos por Natureza livres, iguais e independentes, ninguém pode ser alijado deste Estado e submetido ao Poder Político de outrem, sem seu próprio consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa renuncia à Liberdade Natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens consentiu desse modo em constituir uma comunidade ou governo, ficam, de fato, a ela incorporados e formam um corpo político no qual a maioria tem o direito de agir e resolver por todos. (John Locke, Segundo tratado sobre o governo, cap. VIII)

Leitura no salão de madame Geoffrin, Anicet-Charles-Gabriel Lemonnier 

Mais um passo na conquista das liberdades individuais foi dado por Voltaire (François-Marie Arouet), filósofo e escritor francês que lutou contra toda limitação à liberdade de pensamento, reconhecendo a todos o direito de manifestar suas ideias: "Não concordo com nenhuma de tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las."

Denis Diderot, Louis-Michel van Loo

A ideia de que a cultura devia ser acessível a todos e não privilégio de poucos, conduziu alguns "filósofos" franceses (Diderot, D'Alembert), com a colaboração de outros escritores, a compilar uma obra em 35 volumes, a Enciclopédia, síntese do conhecimento humano. A Enciclopédia, circulando em toda a Europa, teve grande importância na difusão das novas ideias.

Enciclopédia ou Dicionário sistemático das Ciências, Artes e Ofícios, editado por Diderot e D'Alembert, ca. 1751-72. 

Tolerância: O homem, tão grande por sua inteligência, é ao mesmo tempo tão limitado por seus erros e suas paixões que dificilmente nele saberíamos inspirar a ter, para com os demais, essa tolerância, esse esteio de que ele próprio tanto necessita, e sem o qual somente teríamos sobre a terra lutas e dissensões. (Encyclopédie, verbete "Tolerância")

Os ideais dos ilustrados refletiram-se ainda no setor da política. Reconhecendo a crescente importância da burguesia na sociedade, reconheceram-lhe também o direito a uma participação efetiva na vida pública e administrativa de um país. Empenhados em cercear a exagerada influência dos nobres junto à monarquia, destacaram-se as obras de dois escritores franceses, Montesquieu e Rousseau.

Montesquieu, em seu livro O espírito das leis, bateu-se pela abolição de antigos privilégios da aristocracia e sublinhou a necessidade de o rei reconhecer, através de um documento oficial - a Constituição - o direito de os cidadãos participarem do governo por intermédio de representantes.

Rousseau, em seu livro O contrato social, negando que o poder do rei proviesse de Deus, afirmou que esse poder devia ser outorgado ao monarca pelo povo, a fim de representá-lo na direção do governo.

Evidentemente os ideais da Ilustração estenderam-se também à economia, setor no qual o dinamismo da classe burguesa esbarrava contra as tendências conservadoras, estáticas, da classe nobre. Teve grande repercussão a teoria do economista inglês Adam Smith, preconizando a necessidade de a economia poder desenvolver-se livremente sem quaisquer restrições ou controle da parte do Estado. Nasceu assim o liberalismo econômico vindo a favorecer a livre iniciativa de banqueiros, comerciantes e industriais.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de [Org.]. História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 200-1.

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