"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Novas visões e novos valores nos "tempos modernos"

O banho de Diana, François Clouet

Entre 1500 e 1800 estava aberto o caminho para mudanças radicais, violentas e aceleradas, e portanto para o mundo moderno, em parte devido às ideias do início da Europa moderna. Trata-se de ideias de homens (e de algumas poucas mulheres) atípicos: destacados escritores, estudiosos e cientistas da época. Contudo, no seu tempo, é provável que muito poucas pessoas tenham sido influenciadas por eles (ou que os conhecessem) e não deixa de ser uma deturpação admitir que tenham efetivamente dominado a história do pensamento de uma determinada época. Hoje vive-se numa época em que a ciência tem grande prestígio e obviamente faz coisas à nossa volta que demonstram o seu poder de lidar com o mundo natural. No entanto, muitos ainda acreditam (ou agem como se acreditassem) que cruzar os dedos ou não passar por baixo de escadas afastará a má sorte, que astrólogos que escrevem nos jornais podem “predizer” o futuro curso dos acontecimentos a partir das estrelas, ou que se deveria escolher um dia “auspicioso” para casar ou viajar. Quando se tenta determinar as maneiras pelas quais as ideias, primeiro dos europeus e depois de outros povos, mudaram tão drasticamente, repelindo um conjunto de pressuposições e adotando outras, é preciso ter o cuidado de não esquecer as limitações.

Certamente algo mudou por volta de 1800: a maneira de os europeus instruídos verem o passado. Um dos efeitos da Renascença fora o interesse pelas comparações. No século XVII começou-se a discutir se a humanidade agira melhor nos tempos antigos, e depois, se outras civilizações haviam alcançado maiores alturas (os chineses eram fortes candidatos ao título). No início do século XIX também já se começava a perceber que a Idade Média significara mais do que os críticos admitiam, e que este período deveria ser de certo modo admirado.

Do ponto de vista do historiador, isso é muito bom. Mais pessoas dedicaram-se a olhar o passado com mais cuidado, apesar do pequeno alcance da sua visão quanto à verdadeira natureza deste passado. Porém, algo mais aconteça no mesmo tempo, e foi uma das mais importantes mudanças que ocorreram na perspectiva dos europeus. Em essência, muitos europeus se convenceram de que a humanidade seguia adiante e que a História demonstrava um padrão de progresso contínuo. Começaram a se achar mais adiantados em civilização, gosto, conhecimento, ciência e arte do que em qualquer época anterior, e alguns chegaram a acreditar que os seus sucessores seriam ainda mais avançados. Em resumo, o mundo melhorava o tempo todo. Foi uma ampla ruptura com a visão medieval que muitas vezes acentuava ora que as coisas estavam piorando, ora que não podiam ser mudadas.

Algumas raízes desta nova perspectiva baseiam-se num reviver da sabedoria clássica, já em curso antes de 1400, e que alcançou o seu ápice no século XVI, quando os admiradores da literatura e da arte clássicas fizeram as suas maiores exigências quanto ao que podiam aprender com a Grécia e com Roma. Aos poucos, alguns “humanistas”, como eram chamados, começaram a enfatizar aspectos da Antiguidade clássica, sobretudo os não relacionados ao cristianismo e talvez até mesmo opostos. Tomando-se um exemplo simples, o cristianismo enfatizara a virtude de se dar a outra face, demonstrar mansidão e humildade, mas tal comportamento não fora muito admirado pelos gregos nem pelos romanos. Um dos efeitos do reviver da sabedoria clássica foi o de sugerir a algumas pessoas que padrões e valores não-cristãos podiam ser aceitáveis e assim, contribuir para uma sensação de rompimento com o passado e para o enfraquecimento de ideias que por muitos séculos mantiveram unida a cultura europeia. Assim como a Reforma Protestante, esse processo abriu caminho para uma civilização mais diversificada e menos religiosa, embora não se deva enfatizá-lo demais.

Os humanistas que admiravam as virtudes pagãs e as colocavam acima das do cristianismo eram minoria, minúscula minoria num mundo de homens cultos que por sua vez eram minúscula minoria na Europa como um todo. Muitos humanistas descobriram um amor pela sabedoria clássica bastante compatível com as suas crenças cristãs. O mais famoso de todos talvez seja o holandês Erasmo de Roterdã e o seu principal propósito ao aperfeiçoar a sabedoria era usá-la para fornecer textos precisos do Novo Testamento e das obras dos Patriarcas da Igreja.


ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 483, 485-486.

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