"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O poder: sinopse da história faraônica

Relevo do portal da mastaba de Saqarah

5000-3000 a.C. - Período Pré-histórico (ou Pré-dinástico).  Nos tempos primitivos, o vale do Nilo era habitado por povos nômades, que se agrupavam em clãs, isto é, em grupos cujos membros se consideravam descendentes de um antepassado comum, o qual era venerado como um totem (deus protetor): o lobo, o falcão, o chacal, a seta, etc. A fertilidade do vale fez com que estes clãs nômades se tornassem sedentários. Os clãs uniram-se em grupos maiores, aldeias-estado, que por sua vez deram origem aos nomos¹ (províncias). Os nomos foram fundindo-se e acabaram formando, em meados do 4º milênio, dois grandes reinos: ao sul, o Alto Egito (o longo e estreito vale do Nilo), cujos habitantes veneravam o deus Hórus, representado por um falcão; ao norte, o Baixo Egito (o largo Delta), onde os nomos se agruparam sob o culto do deus Set, representado por um cão.

¹ "Os nomos eram autônomos e dirigidos por um nomarca, que era, simultaneamente, chefe militar, rei e juiz. Quando havia necessidade de superar algum obstáculo como - drenar pântanos, abrir canais de irrigação -, os nomos estabeleciam relações de cooperação. [...]" [NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 51]

Eram duas regiões de forte contraste: o país "das Duas Terras", como diziam os egípcios antigos. "Em todo o curso da história - escreve o erudito egiptólogo Wilson - essas duas regiões se diferenciaram e tiveram consciência da sua diferenciação". E acrescenta: "Quer nos tempos antigos, como nos modernos, as duas regiões falam dialetos diferentes e veem a vida com perspectivas também diferentes".

Os egípcios não eram uma etnia pura. Correspondiam, provavelmente, a um ramo mediterrânico da etnia caucásica; mas apresentaram cruzamentos com negróides, líbios, semitas e diversos povos ocidentais asiáticos.

Neste período pré-dinástico, o desenvolvimento da cultura egípcia foi, quase totalmente, autóctone e interno. Houve, apenas, alguns elementos de evidente influência mesopotâmica: o selo cilíndrico, a arquitetura monumental, certos motivos artísticos e, talvez, a própria ideia da escrita.

Há, nessa época, progressos básicos nas artes, ofícios e ciências. Trabalha-se a pedra, o cobre e o couro (instrumentos, armas, ornamentos, jóias). Há olarias, vidragem; sistemas de irrigação. Vai-se formando o Direito, baseado nos usos e costumes tradicionais - leis consuetudinárias.


Fragmento de relevo do muro do túmulo de Amenemhat e sua esposa Hemet. 12ª dinastia.


3000-2780 - Primeiras duas dinastias (Reino Tinita). A unificação do Egito: Os dois reinos, Alto e Baixo Egito, estiveram em luta durante longo tempo. Finalmente, um famoso (e lendário?) Menés, rei do Alto Egito, conquistou o Baixo Egito, unificou o país e estabeleceu a primeira dinastia. Este período chama-se tinita, por ter sido Tínis a capital do império.

Nesta época, provavelmente, é que surgem a escrita e o calendário de 365 dias.

2780-2400 - Antigo Império (Reino Menfítico). A partir da 3ª Dinastia, os faraós transferiram a capital para Mênfis, no começo do Delta, o que permitiu dominar melhor ambas as regiões do país.

O Antigo Império foi uma época de brilhante civilização. O regime político, porém, era absoluto e teocrático. O chefe era o rei-sacerdote, ou faraó², venerado pelos egípcios como um deus: "o deus vivo". Dedicava-se-lhe tão supersticioso respeito que não podia ser chamado pelo próprio nome; denominavam-no "par-ó" (casa grande, palácio real), de onde deriva o termo "faraó". No começo, o faraó considerava-se um deus Hórus. Mais tarde (desde a 5ª Dinastia), proclamou-se filho divino do deus-sol Rá.

² "'Ele é um deus a quem devemos a vida, pai e mãe de todos os homens, único e sem igual', escreveu um egípcio, funcionário civil do faraó, por volta de 1500 a.C." [Citado em: ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo: da Pré-história à Idade Contemporânea. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 100]

Não havia separação entre o Estado e a Igreja. O faraó era o rei e, ao mesmo tempo, o sumo sacerdote. O governo não tinha índole militarista: não existia um exército permanente. A política exterior era de paz e de não-agressão.

A coroação do faraó realizava-se em Mênfis, num templo chamado o "muro branco", em cujas duas faces era proclamado sucessivamente rei do Alto e do Baixo Egito, com a dupla coroa branca e vermelha.

A centralização do regime permitiu a realização de vastas obras de arquitetura e de canalização. Durante a 4ª Dinastia construíram-se as famosas pirâmides de Gizé.


Vista panorâmica das pirâmides de Gizé


2400- 2100 - Primeiro Período Intermediário (anarquia e feudalismo).  No fim do Antigo Império houve revoltas e desordens, provocadas pelos nomarcas (governadores dos nomos ou províncias), que aspiravam à independência. Aumenta o poder dos nobres e decai o prestígio dos faraós. O período caracteriza-se pela anarquia, feudalismo e a invasão das tribos negróides e asiáticas. Mas, do ponto de vista das massas, foi "a época democrática do Egito antigo", um período de igualdade e justiça sociais. O texto que mais claramente expressa a nova tendência à justiça social é o "Relato do camponês eloqüente".

2100-1785 - Médio Império (ou Primeiro Império Tebano).  A autoridade real é restabelecida pelos príncipes de Tebas (11ª Dinastia), que restauram a unidade do país. Este governo central parece mais democrático que o menfítico, pois que as massas vão sendo emancipadas mercê de profundas concessões sociais e religiosas.

A igualdade religiosa propicia a igualdade social e política. Os camponeses e os trabalhadores da cidade tornam-se livres, o que produz excelentes resultados. A 12ª Dinastia assinala o apogeu dessa época: consolida energicamente o reino e mantém bem alto o prestígio internacional do Egito. Senusert III dilata as fronteiras meridionais e contém os núbios. Amenemat III constrói canais e açudes e a vasta represa constituída pelo lago artificial Méris [...]. Época áurea de justiça social e de progresso material e intelectual, o governo da 12ª Dinastia é apontado, por alguns autores, como "o primeiro império democrático da história".

1785-1580 - Segundo Período Intermediário (a invasão dos hicsos). Esta é a época mais confusa, e discutida, da história do antigo Egito: um período de invasões e de caos interno. Bandos aguerridos de pastores asiáticos - os hicsos - conglomerados de povos semitas e arianos, invadiram o Egito (através do istmo que o ligava à península do Sinai), venceram os exércitos do faraó e dominaram grande parte do país. Possuíam cavalos e carros de guerra (com rodas); e armas de bronze (ou talvez, mesmo, de ferro), mas bem acabadas e mais fáceis de manejar. Tudo isso explica a sua superioridade bélica e os seus triunfos militares.

Os hicsos talvez estivessem a fugir da pressão dos invasores indo-europeus (hititas, cassitas e mitanianos), sobre o Crescente Fértil.

Com os hicsos, devem ter entrado no Egito, os hebreus. O José bíblico (filho de Jacó e de Raquel, vendido pelos seus irmãos e levado ao Egito) foi, provavelmente, ministro de algum rei hicso. Os hebreus entraram no Egito por volta de 1700 e aí permaneceram uns 4 séculos.

1580-1200 - Novo Império (ou Segundo Império Tebano). Amés I [também chamado Amósis I] iniciou a guerra pela independência e expulsou os hicsos. Começou, então, uma época de poderio e de expansão - o Império propriamente dito. Tendo aprendido com os invasores, os egípcios aperfeiçoaram a sua máquina de guerra: o exército possuía, agora, carros de combate puxados por cavalos.

O Novo Império era belicoso e imperialista. Tutmés III [também chamado Tutmósis III] conquistou a Síria. Fenícios, cananitas e assírios passaram a pagar tributos. O avanço egípcio provocou o choque com os poderosos hititas, da Ásia Menor. O célebre Ramsés II lutou contra eles na batalha de Kadesh (aprox. 1295 a.C.). Não tendo podido vencê-los, assinou com os hititas um acordo (tratado de paz e aliança defensiva), que durou muitos anos. Durante o longo reinado de Ramsés II (1298-1235) construíram monumentos, palácios, canais. Concluíram-se dois templos imponentes: os de Karnak e Lúxor.

Uns 5 anos após a batalha de Kadesh (aprox. 1290 a.C.), iniciou-se o êxodo dos hebreus.

O Novo Império foi considerado pelos egípcios "como uma das épocas mais luminosas da sua história". Seus faraós mais famosos foram Tutmés III e Ramsés II. Todavia, para a sensibilidade moderna, o faraó mais importante é Amenófis IV (reinado: 1372-1354), autor de uma profunda revolução religiosa: a instauração de um culto monoteísta [...].


Cortejo fúnebre. Livro dos Mortos de Ani. 19ª dinastia


1200-652 - Diversas dominações. Decadência. O reinado de Ramsés II foi uma época brilhante da história egípcia. Após Ramsés II começou a decadência: o Egito sofreu invasões, guerras civis e anarquia social. Os "povos do mar" (guerreiros loiros, de etnia indo-europeia) conquistaram o Delta e as costas da Palestina. Depois houve período de domínio líbio e etíope (núbio). Mais tardem sobrevieram os assírios, que dominaram de 671 a 652.

652-341 - Renascimento Saíta. Psamético I consegue expulsar os assírios, readquire a independência egípcia e funda nova dinastia (26ª), que assinala grande renascimento cultural. Estabelece-se nova capital, Saís, no Delta. A restauração continua com Necao (609-594), que intensifica as relações com a Ásia. Ao que parece, ele reabriu o canal que ligava um afluente oriental do Nilo ao Mar Vermelho - fazendo com que este, portanto, se comunicasse com o Mar Mediterrâneo [...]. Hanon, capitão fenício a serviço de Necao, realiza o périplo da África: parte do Mar Vermelho e volta pelo Mediterrâneo, após 3 anos de viagem.

No Delta interior estabelecem-se colônias de mercadores gregos; a mais importante é Naucrátis. Começa a helenização do Egito, embora a influência grega só se exerça nas classes elevadas.

Em 525, o rei persa Cambises (filho de Ciro) vence a batalha de Pelúsio e conquista o Egito. Em 404, os egípcios conseguem reconquistar a liberdade, mas são dominados novamente pelos persas, em 341. Encerra-se aqui a história do antigo Egito independente.

Epílogo: 341 a.C. - Da dominação persa aos romanos. Após a segunda dominação persa, sobrevieram a hegemonia grega (Alexandre: 333 a.C.) e a romana (após a morte de Cleopatra: 30 a.C.).³

³ "Durante sua longa história, os egípcios tentaram preservar as formas antigas de sua civilização, reveladas por seus ancestrais e representando, em todas as épocas, aqueles valores imutáveis que eles acreditavam ser o caminho para a felicidade". [PERRY, Marvin. Civilização Ocidental - Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 19]

Quando Alexandre entrou no Egito, foi saudado como um libertador. Fundou Alexandria, que sucedeu Atenas, como centro intelectual do mundo; já no primeiro século de existência lecionavam lá os maiores matemáticos da antiguidade: Euclides, Apolônio, Eratóstenes, Diofanto. Arquimedes passou algum tempo em Alexandria; voltou a Siracusa, mas manteve sempre contato epistolar com a cidade egípcia de sábios.

O Egito pertenceu durante 4 séculos ao Império Romano do Ocidente [...].

BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. São Paulo: Nacional, 1974. p. 24-29.
MARVIN, Perry. Civilização Ocidental - Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 19.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 51.
ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo: da Pré-história à Idade Contemporânea. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 100.

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