"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 22 de dezembro de 2012

A família, a infância e a escola em Roma

Mulher romana tocando cítara

Os romanos usavam a palavra familia, que em português é a mesma, para falar de algo muito mais amplo do que nós. Os romanos chamavam de família tudo o que estava sob o poder do pai de família e que dividiam em três grupos: os animais falantes, os mudos ou semifalantes e as coisas. Assim, o pai possuía mulher, filhos e escravos como animais falantes, vacas e cachorros como animais semifalantes e suas casas e mobília como coisas. Em princípio, o pai tinha direito de vida e morte sobre os membros de sua família ainda que, na prática, houvesse algumas limitações. Um pai de família tinha também muitos clientes [...], pessoas mais pobres do que ele e que lhe ofereciam apoio em troca de benefícios diversos, como dinheiro para comprar roupas, por exemplo. O patriarca era chamado de pater familias, "pai de família", proprietário de todos os bens: esposa, filhos, escravos, animais, edifícios, terras e tudo girava em torno dele, daí derivando o patriarcado, uma instituição cujo legado está conosco até hoje, um regime social em que o pai exerce autoridade preponderante. As ligações familiares eram naturalmente menos fortes nas famílias plebéias. Entretanto, o pai exercia, igualmente nessas famílias, grandes poderes sobre sua mulher e seus filhos, que, mesmo quando se casavam, continuavam sob o domínio formal do pai.

Como constituir uma família? Nas famílias ricas, em geral os pais dos noivos acertavam o casamento de seus filhos. O noivo era, normalmente, um homem experiente, entre trinta e quarenta anos de idade, enquanto a noiva era bem mais jovem, entre 12 e 18. O casamento era selado por um contrato de matrimônio e por um aperto de mão dos noivos. Os noivos não se beijavam na ocasião e isto se explica facilmente, pois o matrimônio era apenas uma união de famílias, não se pensava no amor entre os noivos.

Como era uma cerimônia de casamento da elite? Segundo podemos deduzir das fontes, quando se celebrava o noivado, havia uma festa, na qual se elaborava o contrato de casamento. Como parte do contrato, o pai da moça devia dar um dote (o preço para comprar um marido). Na véspera do casamento, os noivos dedicavam seus brinquedos aos deuses familiares, que haviam abençoado sua meninice. A casa era decorada com flores e os bustos dos ancestrais eram trazidos para a ocasião. No dia do casamento, a noiva vestia-se de branco. A cerimônia começava com um sacerdote que buscava saber se um casamento naquele dia seria bem-sucedido, por meio de rituais que lhe diriam se o dia era fasto (propício) ou nefasto (impropício) ao casamento. Em caso positivo, os noivos assinavam um registro de casamento, diante de testemunhas, davam-se as mãos e rezavam juntos para que o matrimônio fosse feliz. A noiva prometia ao noivo: "aonde você for, eu vou junto", e a cerimônia terminava com um sacrifício em honra aos deuses.

A nova família de elite tinha como objetivo a reprodução de herdeiros e os filhos não tardavam a nascer. O parto era em casa, com a ajuda de escravas e parteiras. A mãe ou as escravas com leite amamentavam o bebê, o pai podia às vezes carregar o filho, ainda que normalmente houvesse escravos para fazer isso. O recém-nascido tomava banhos em bacias e logo que crescia um pouco ganhava brinquedos, bonecas e miniaturas de animais e de carros de corrida.

Já mais crescidinho, o menino aprendia a ler e começava a ter aulas, tanto em casa, com professor particular, como em uma escola mantida pelo Estado. Estas eram pouco numerosas e não atingiam a maioria das crianças. O aluno devia levar uma malinha com o material escolar: tinteiro, penas, cadernos de madeira para os exercícios e encontrava na escola livros que devia estudar. Os alunos iam para casa almoçar e voltavam à tarde para continuar o estudo. Havia, também, brincadeiras e uma das mais comuns era "par ou ímpar", jogado com castanhas que eram escondidas por um dos dois jogadores, para que o outro descobrisse se eram em número par ou ímpar. Brincava-se com bolas e uns carregavam aos outros nas costas. [...]

Como saber o que as crianças aprendiam nas escolas? Ápio Cláudio Cego, o primeiro escritor latino que se conhece, compôs, no século IV a.C., algumas frases poéticas que continham ensinamentos morais e eram decoradas pelos alunos:

Manter a alma equilibrada para que não possam surgir
o engano, a maldade, a violência;
Quando vês um amigo, te esqueces do sofrimento;
Cada um é fabricante de sua própria sorte.

Também fábulas eram aprendidas, como esta, reportada por Fedro, contador de histórias latino nascido em cerca de 30 a.C.:

Casualmente, a raposa viu a máscara.
- Que bonita! Exclamou. Mas não tem cérebro!
Isto foi dito para quem a Sorte
Deu honra e glória, mas tirou o juízo.

As crianças tinham um estatuto jurídico específico. [...] O Direito romano distinguia três categorias de crianças e jovens, de acordo com a idade, as crianças, os impúberes e os menores de vinte e cinco anos. A criança é aquela que não fala, o que nós chamamos de bebê. O impúbere, antes da puberdade ou nascimento dos pelos, estava, necessariamente, sob a autoridade do pai ou de um tutor. A partir daí até os vinte e cinco anos, era quase um adulto. [...]

A maioria dos romanos, na verdade, era pobre e suas famílias eram bem diferentes. Os humildes casavam-se, não por arranjos de família, mas para poderem se ajudar no trabalho. A diferença de idade entre marido e mulher era, em geral, menor que entre os casais ricos, e a família humilde tinha poucos ou nenhum escravo. Desde cedo, os filhos tinham que ajudar os pais no ganha-pão e aprendiam a ler e escrever com os pais e com professores também pobres, escravos ou libertos.

Enquanto os meninos ricos aprendiam a oratória, para que pudessem falar bem em público, os humildes estavam interessados em dominar um pouco da escrita e das contas. Meninos de posses aprendiam, desde muito cedo, o grego, que deviam falar e escrever perfeitamente, assim como escreviam em latim muito elaborado. [...] Já os outros meninos sabiam do grego apenas aquilo que era necessário para o dia a dia e falavam e escreviam um latim vulgar.

Os objetivos do ensino primário eram o domínio da língua latina e o aprendizado de algo de matemática, enquanto o ensino médio e superior voltavam-se para o domínio da composição literária, com ênfase para a gramática latina, métrica da poesia e literatura. O ensino superior preparava o jovem para a eloquência e a atuação nos tribunais e na vida política, o que mostra bem como a instrução era eminentemente masculina, ainda que houvesse mulheres educadas.

Para os jovens de famílias ricas influentes o treinamento militar iniciava-se desde cedo: disciplina, adestramento físico, prontidão e habilidade no manejo das armas faziam parte do cotidiano daqueles que frequentavam o Campo de Marte, local onde eram realizados os exercícios de arremesso de disco e de dardos, equitação e natação. Essa educação com vistas à guerra contribuiu [...] para a expansão do Império, na medida em que dela resultaram militares competentes.

Os romanos com pretensões sociais deviam dominar, ao mesmo tempo, a oratória, para atuar em reuniões, e a arte militar, para poder se destacar no comando de tropas. [...] Neste quadro, a educação das meninas era pouco considerada, pois as mulheres não podiam ter participação na vida pública nem no exército. No entanto, sabemos que muitas meninas humildes também eram alfabetizadas e que houve entre o povo romano algumas poetisas e intelectuais.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2011. p. 98-103.

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