"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 21 de outubro de 2012

Fonte histórica, documento, registro, vestígio...


"[...] Fazer história é um fazer artesanal. É uma prática que implica rastrear documentos nos arquivos, interrogar os mortos, decriptar silêncios, interpretar registros orais, escritos ou iconográficos, perceber as funções que tais documentos tinham em dado momento histórico." (DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 9.)

Nos jornais toda a história de uma época

1. Fonte histórica, documento, registro, vestígio são todos termos correlatos para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço: a herança material e imaterial deixada pelos antepassados que serve de base para a construção do conhecimento histórico. O termo mais clássico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que, devido às concepções da escola metódica, ou positivista, está atrelada a uma gama de ideias preconcebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente, o registro oficial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história. (SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 158.)

2. De que se utiliza o historiador para exercer o seu ofício? [...] Para reconstituir o quadro geral da sociedade, o historiador dependerá sempre de informações sobre fatos a que não assistiu. Desse modo, ao contrário do romancista, que pode criar seus personagens e inventar os acontecimentos, o historiador deve reconstituir os fatos exatamente como ocorreram. Assim, para atingir seus objetivos, é obrigado a recorrer aos documentos, através dos quais poderá tomar conhecimento dos fatos.


Passaporte português de 1927

Torna-se, então, evidente que a História se faz com documentos - sem eles não há realmente História.

[...] A tarefa do historiador consistiria apenas na simples coleta de informações contidas nos documentos?

[...] Na concepção atual da História os documentos constituem a matéria-prima do historiador, o meio através do qual a História atingirá o seu objeto: a interpretação dos documentos permitirá a compreensão dos fatos históricos.

[...] como [diz] Lucien Febvre, que "toda História é filha de seu tempo" [...] ou, como [diz] Collingwood: "Cada nova geração deve reescrever a História à sua própria maneira".

[...]

Geralmente, reserva-se a designação de documento para "os atos escritos emanados dos poderes públicos ou de particulares, em suma, aos papéis conservados pelos arquivos administrativos ou privados"

Esse conceito, no entanto, dá uma ideia restrita da infinita diversidade dos meios de que dispõe o historiador para compreender a realidade, a vida humana. Justamente por isso, é preferível adotar-se o conceito amplo de Henri Marrou de que "documento é tudo aquilo capaz de nos revelar qualquer coisa sobre o passado do Homem". Ou, então, o de Besselaar, para quem o termo designa "todo e qualquer vestígio do passado, capaz de nos dar informações acerca de um fato ou acontecimento histórico".


Templo romano, Évora, Portugal

É nesta acepção que muitos historiadores empregam, com o mesmo sentido de documento, os termos fonte histórica, testemunho histórico, vestígio histórico, restos históricos, para designar os materiais que permitem a reconstituição do passado. [...]

Hoje, a concepção da História, tornando-se cada vez mais complexa e ampliando continuamente seu campo de estudo, interessa-se em compreender e construir integralmente o passado humano: esse novo sentido globalizante da História leva o historiador a estudar as instituições, o Direito, a Economia, as estruturas sociais, os costumes, a Religião, as Ciências, as Letras, as Artes - enfim, todos os aspectos da vida humana. [...]

[...]


"A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele." (BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 79.)

* Classificação das fontes históricas:

- fontes arqueológicas - vestígios da presença humana em material variado (restos de animais, utensílios, fósseis etc.), geralmente não intencionais;

- fontes escritas - traços escritos em material variado (pedra, papiro, papel etc.), geralmente intencionais. De acordo com a intencionalidade, o traço descrito pode ser:

a) fontes de arquivo - se a intenção foi comprovar alguma coisa: todo documento recebido ou redigido por uma pessoa pública ou investida, pela lei ou pelo costume, de uma autoridade especial;

b) fontes literárias - possuem a intenção de informar aos contemporâneos e à posteridade alguma coisa, mas não de comprovar;

- fontes orais - são traços que têm a intenção de informar, mas não possuem um material de transmissão. (AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 70-75.)

"O controle do passado e da memória coletiva pelo aparelho de Estado dirige sua atenção para as fontes. Com muita frequência, ele tem o caráter de uma retenção na fonte [...]. Esse controle estatal [das fontes de documentação histórica] levou a que faces inteiras da história mundial subsistam apenas através daquilo que disseram ou deixaram de dizer os opressores. As revoltas civis chinesas são conhecidas pelo que escreveram os historiadores mandarins, os cartagineses, pelos textos romanos, os albigenses, pelos cronistas reais ou pontifícios. Ora se mutila e se deforma, ora se faz o silêncio completo. No extremo dessa lógica de Estado, os mandarins confucianos chamam "fei" aos rebeldes dissidentes [fei, partícula gramatical negativa, caracteriza os que não existiram e que não contam aos olhos da História]." (CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? São Paulo: Ática, 1995. p. 32.)

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