"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Piratas, bandidos nada simpáticos

Sir Francis Drake, o maior corsário da história. Marcus Gheeraerts


Na região do Caribe dos séculos XVI-XVIII, o flibusteiro era um pirata, um irmão da costa, um saqueador dos mares, produto de um conglomerado humano cosmopolita. Voltaire, em seu ensaio “Essai sur les moeurs”, escreve: A França só entrou nessa partilha [de Santo Domingo] com a Espanha pela audácia [...] de um povo novo que o acaso compôs de ingleses, bretões e, sobretudo, normandos. Eles foram denominados bucaneiros, flibusteiros. Esses marinheiros, revoltosos e desertores, seduzidos pelo clima das Antilhas, decidiram expulsar os bandos selvagens da parte norte de Santo Domingo, em vez de voltar às brumas do norte. Eles passaram a comer carne assada em fogo de lenha, cantando ao redor do fogo, e fazendo barulho à maneira dos caribenhos, isto é, fazendo boucan (barulho). No fim da primavera, os flibusteiros do mar das Antilhas caçavam os galeões espanhóis carregados de ouro e prata. A bordo de navios pequenos e rápidos, armados com poucos canhões lançadores de pedras, esperavam suas presas fumando tabaco. De surpresa, faziam a abordagem, geralmente em pares de amigos íntimos, donde veio o nome irmãos da costa. A arma branca era a preferida, a se acreditar na imagem do pirata com a faca entre os dentes. O canhão era supérfluo. Em 1696, um flibusteiro confiou ao padre Labat, um missionário francês que reuniu suas observações sobre a vida dos bucaneiros em Voyage aux îles de l'Amérique, que sua artilharia de seis minúsculos canhões era mais por cerimônia que por necessidade, já que eles só empregavam as duas peças de caça quando combatiam um barco pela frente ou por trás; seus fuzis bastavam para importunar o adversário até que seu capitão julgasse conveniente fazer a abordagem.

A tática do pirata do mar das Antilhas se resumia a uma única palavra: abordagem. O êxito dependia da determinação, ou melhor, da temeridade dos homens do navio. Numerosos, eles manejavam o sabre de abordagem e o punhal. Combatiam aos pares, porque sempre se juntavam em duplas e se chamavam, um ao outro, de matelot [marinheiros], sendo mattenoot aquele que compartilhava alternadamente a mesma rede que seu irmão. Vitoriosos, esses celibatários sem família faziam a festa, embebedavam-se à vontade de rum da Jamaica e partilhavam amigavelmente as mulheres indígenas ou pilhadas.

A pirataria é uma mitologia composta de ganhos espetaculares, de liberdade absoluta em locais insulares e encantadores. Por isso a perenidade da pirataria ou, melhor, das piratarias ao longo das eras, porque cada época engendrou seus candidatos a piratas: marinheiros e revoltosos, clandestinos e renegados, apátridas e flibusteiros, marginais e rebeldes. O fato de o pirata travar uma guerrilha sangrenta era quase ignorado. Embora a literatura celebre a pirataria desde a Antigüidade romana – o pirata é um dos personagens dos romances da época imperial: erigido, muitas vezes, em modelo, uma espécie de Robin Hood do mar, ele era mais facilmente encontrado nos livros de aventura do que na realidade. O pirata era uma pessoa má, um bandido, um marginal associado por razões pouco confessáveis a outros marginais – indisciplina, deserção, motim, crime, assassinato, rapina, a avidez de ganho. Com os outros marginais, formava uma sociedade, cuja hierarquia repousava na força, qualidade reconhecida por todos, por ser a única fonte do butim. Ele era astuto, feroz e carregava a inteligência do mal. Entretanto, essa sociedade, como os bandos e o meio social, possuía regras próprias, disciplina interna, chefe (como Olonnais, Morgan, Grammont) reconhecido por sua coragem, intrepidez e faro. O chefe era temido por sua ferocidade, e respeitado por seu senso de justiça, porque sabia repartir eqüitativamente as presas (Labat). Tudo isso em teoria, naturalmente, porque são numerosos os exemplos discordantes. Foi o que aconteceu depois do saque do Panamá. Os flibusteiros ficaram literalmente a ver navios quando Morgan fugiu com a maior parte do butim. Sem nenhum escrúpulo ou constrangimento, Morgan abandonou seus homens sem víveres e sem navio!

As mulheres faziam parte do butim conforme revela Oexmelin, cirurgião dos flibusteiros, autor de uma Histoire des aventuriers et des boucaniers d'Amérique (1686): Quando dois bucaneiros encontram uma bela mulher, para evitar a disputa decidem quem casará com ela lançando uma moeda. Casará aquele que for favorecido pela sorte, mas seu camarada era recebido na casa: a isso se chamava a matelotage... Outro costume: o sobrevivente dos dois era o herdeiro de fato de seu companheiro. O capitão e seus homens firmavam um contrato ou chasse-partie, no qual tudo era previsto para a duração de uma campanha: cada homem levava seus víveres, suas armas, suas munições. O soldo de cada mercenário saía do butim. Sem butim, sem soldo. O capitão retinha uma parte para amortizar as despesas do navio, além do soldo do carpinteiro (100 a 150 piastras) e do cirurgião (200 a 250 piastras), e recebia até seis vezes a parte de um marinheiro (a piastra era uma antiga moeda de prata, de valor variável de acordo com o país e a época). O imediato tinha direito a duas partes. O marinheiro a apenas uma. O grumete, a meia. Os feridos e estropiados recebiam 600 piastras pelo braço direito; 500 pelo esquerdo ou a perna direita; 400 pela esquerda; 100 por um olho ou um dedo. Ao final da campanha, cada membro da tripulação ganhava a liberdade levando sua parte. Naquele momento, cessava a autoridade do capitão.


O pirata, seja qual for a época considerada, o teatro de operações escolhido ou o butim alcançado, era um bandido voraz. Ele atacava outro navio no mar, se possível ricamente carregado, que pilhava depois de eliminar a tripulação, vencida pela abordagem e morta, porque não havia quartel. Nessa característica, o pirata se parecia com os ladrões de estrada, que assaltavam carruagens e diligências em terra. Em outros casos, o bucaneiro desembarcava numa terra ocupada, transformando, então, a imagem clássica do pirata dos mares em outra, a de bárbaro ou de barba-ruiva. No primeiro caso, trata-se do frisão (natural da Frísia, região que hoje faz parte dos Países Baixos) que arrasava as costas do mar do Norte e do Canal da Mancha; do bárbaro que pilhava as costas do mar Negro e devastava o Egeu; do franco embarcado nas costas do Ponto Euxino (antigo nome do mar Negro) para devastar as da Sicília e da África. O barbaresco, vindo da África do Norte, arrasava os grupos nas costas cristãs da Provença e do Languedoc (na antiga França) ou da península italiana. O flibusteiro das Antilhas evoluiu muitas vezes para esse tipo de pirataria quando, em vez de atacar navios, passou a atacar as ricas cidades hispano-americanas: Vera Cruz e Campeche (no México), Panamá, Cartagena-das-Índias (Colômbia).

Os piratas faziam o reconhecimento da costa na proximidade de um estreito, numa rota marítima freqüentada. Tendo necessidade de uma base logística – água potável, víveres, madeira para lenha e reparos navais, minicanteiro de reparos ou construção –, davam preferência às ilhas. Situadas em encruzilhadas, a ilhas permitiam vigiar as rotas marítimas. Os piratas gostavam de ficar ao largo da Citera antiga (ilha grega do mar Egeu, entre o Peloponeso e Creta, também conhecida como Cérigo), da Sicília, da Sardenha, das Baleares ou da Córsega. Malta, Creta, Tinos foram ninhos de piratas. Os Grimaldi enriqueceram como piratas a partir de seu rochedo em Mônaco. [...]

Em La Tortue, a principal base pirata nas Antilhas durante o século XVIII, os bucaneiros esperavam o navio mercante que passava, isolado ou em comboio, com guarda ou desprotegido, e se lançavam sobre a presa com um navio veloz: hemolia, dos gregos; lemboi, dos bucaneiros da Ilíria (região balcânica próxima ao Adriático), bergatins (escuna de velas quadradas de dois mastros) dos barbarescos, flibots (pequena embarcação com dois mastros, com fundo chato) dos flibusteiros. Na ponta do mastro, um crânio e duas tíbias embranquecidas pelo sol se destacavam sobre um pavilhão negro ondulando ao vento. Todos os navios-piratas se pareciam: lastro leve e velocidade aumentada pelos cascos untados com sebo para diminuir a resistência da água. Pequenas, rápidas, fáceis de manobrar, repletas de homens e munidas de pouca artilharia, essas embarcações precisavam correr os mares para alcançar suas presas, ultrapassá-las e forçá-las a parar. Uma vez pilhado o adversário, era preciso repartir depressa o butim e procurar refúgio em águas inacessíveis para os grandes navios oficiais, no meio de recifes, de rochedos e em locais de grande profundidade.

O pirata era, sobretudo, aquele que perseguia e atacava qualquer navio no mar, sem nenhuma consideração por pavilhão. Para o flibusteiro, não existiam amigos ou aliados. Assim pensava o velho Abraham Duquesne (1570–1635), pirata normando que capturava navios mercantes bretões sob pretexto de serem estrangeiros. Richelieu teve a maior dificuldade de se fazer obedecer por esse mundo tão matizado do mar, tão distante das leis e das regras de terra.

O pirata era um perigo para todos aqueles que cruzavam seu caminho – foram responsáveis pelo nascimento do seguro marítimo –, mas era também um perigo para a civilização, porque se colocava fora da norma. Sem pertencer a um Estado ou a uma estrutura, o pirata era, enfim, o único homem livre das sociedades pré-revolucionárias. Políticos de todos os tempos combateram esses marginais armados, perigosos para os marinheiros, perigosos para os Estados, perigosos para as trocas, para os comércios longínquos e para o grande negócio marítimo. Corinto moveu guerra aos piratas. Pompéia também, assim como Luís XIV, mais tarde, no Mediterrâneo, porque no Atlântico, o Très Chrétien se aliou aos flibusteiros para atacar o rico entreposto espanhol de Cartagena-das-Índias em 1697. Os Estados tiveram, enfim, uma atitude excessivamente ambígua para com os piratas: em época de paz, quiseram erradicar a pirataria e comerciar livremente, assegurando a liberdade dos mares; mas, se viesse a guerra, procuravam seduzir os excelentes soldados que mantinham tal ou qual base de apoio (Santo Domingo ou a Ilha de la Tortue). Essas bases eram, então, cedidas aos piratas e, com isso, a pirataria está na origem de numerosas colônias inglesas e francesas na região do Caribe.

Uma das principais causas do desenvolvimento das frotas de guerra permanentes dos Estados, quaisquer que fossem, foi a eliminação da pirataria. Tucídides fala de expedições atenienses contra ninhos de bucaneiros. Plutarco evoca a luta contra os dolopes (antigos habitantes da Tessália) que se tornaram corsários por falta de recursos agrícolas. Otaviano lutou ferozmente contra os ilirianos em 35 da nossa era. Rodes chegou a criar um tipo de embarcação especial para dar combate aos piratas, a trihemolia, mais rápida que a trirreme (galera grega com três fileiras de remadores sobrepostos), e Luis XIV mandou construir galeotas (pequena galé movida a remos e a vela) com bombas específicas, em 1678, para bombardear Argel e Trípoli. A hansa (associação comercial da Idade Média) jamais se cansou de tentar libertar o mar Báltico e o mar do Norte de toda pirataria desde 1168.

A pirataria não foi, pois, um tema de romance. Foi um caso militar, que exigiu despesas dos Estados para combatê-la. Ela exigia uma resposta: navios, guerras, leis. Todos os litorais, todas as ilhas, foram obrigados a fazer pesados sacrifícios financeiros para construir fortins e torres (na Córsega), para pagar torregiani (os guardas de torres) e organizar milícias. É verdade que a pirataria foi um reflexo da fraqueza dos Estados, mas também pôde se tornar – fato menos conhecido – pirataria de Estado. Foi assentada na pirataria que a Inglaterra dos Tudor fundou seu poderio, a partir do século XVI, atacando os ricos galeões espanhóis nas costas americanas. Foi atacando navios franceses, em plena paz, que os ingleses asseguraram a vitória na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), privando a armada francesa dos marinheiros capturados em mais de 250 navios mercantes desde 1755. Entre 1740 e 1744, franceses e ingleses já haviam começado as hostilidades. Antes da guerra, portanto, que foi declarada apenas em 15 de março de 1744. Feito prisioneiro nessas condições, em 11 de novembro de 1755, no golfo da Gasconha, o visconde Joubert de Bouville, bisneto de Demarets e da irmã de Colbert, recusou-se a ser libertado pelos ingleses na qualidade de prisioneiro de guerra, e preferiu pagar seu resgate!

A pirataria é um tema difícil, tratado muitas vezes como mera epopéia caribenha. O pirata viril e bronzeado, de camisa rasgada, olho de vidro e perna de pau, com o sabre de abordagem na mão, de pé diante dos cofres de ouro e pedrarias, é quase inteiramente uma imagem de Epinal.

A pirataria não tem idade de ouro, nem idade simplesmente: é um fenômeno inscrito nos tempos. Se os habitantes da Etólia, na Grécia antiga, fizeram dela um instrumento de política exterior, chegando a firmar tratados de garantias contra suas próprias ações mediante indenizações com suas futuras presas, a pirataria existe ainda hoje. Está presente nos mares da China, e a espoliação fraudulenta de companhias de seguro continua sendo praticada sob o nome de “barataria”, um tipo de pirataria, pois a carga é roubada, o navio destruído, rebatizado ou escamoteado, e o prêmio do seguro recebido!

Todo aquele que acumulasse muitas capturas e butins tornava-se herói rapidamente aos olhos de seus camaradas; aos olhos das pessoas honestas, um terror. Desses heróis aterrorizantes, as fontes medievais conservaram os nomes, ou melhor, as façanhas: Henri le Pêcheur, conde de Malta em 1218; Benedetto Zaccaria, pirata, comerciante e, depois, almirante genovês; Roger de Lauria, pirata aragonês que saqueou o litoral do Languedoc à Sicília no século XIII; Roger de Flor, templário catalão, almirante da Sicília, que devastou o Egeu no século XIV.

A época moderna, dos séculos XVI a XVIII atlânticos, não teve, porém, o monopólio da pirataria. O pirata das plagas caribenhas do período elisabetano ou colbertiano não era um homem novo: era herdeiro de uma multidão de aventureiros, produto dos invasores de antanho, porque toda invasão (normanda, saxônia ou sarracena) já fora uma empresa de pirataria. Como ocorrera antes, a época moderna procurou se defender do pirata, fosse armando com canhões seus navios mercantes, fosse escoltando-os com navios de guerra. Por conta dos piratas, o direito internacional foi endurecido, e todo capitão que conseguisse capturar corsários no mar tinha o direito de enforcá-los no ato, na verga mais alta do navio apresado. Mas quando as nações se tornaram piratas, como a Inglaterra de Elizabeth I, os sucessos obtidos sobre os galeões espanhóis pelos Drakes e Raleighs foram tais que já não se podia limitar a pirataria à noção de empresa privada.

A pirataria de Estado caracterizou a Inglaterra dos Tudor, que associava capitais públicos a capitais privados para apresar sua parte dos metais preciosos na rota transatlântica do império espanhol.

Entre 1560 e 1620, da morte de Maria Tudor (1558) à de Elisabeth (1603), essa pirataria conheceu um de seus períodos de glória e de lucro. Nos anos 1550-1570, franceses e, sobretudo, ingleses se atiraram sobre o comércio espanhol, prejudicando suas rotas e limitando seus lucros, mas a porcentagem de perdas resultantes disso não foi comparável às causadas pelas tempestades. O impacto foi mais psicológico do que econômico, ainda que Dürer tenha se demorado em Anvers apreciando os tesouros saqueados por franceses de um navio espanhol que transportava uma parte dos tesouros do imperador asteca Montezuma.

Como essa pirataria parecia mais lucrativa do que na realidade, as grandes potências não pararam de engajar esses guerreiros dos mares para transforma-los em corsários. Foi o caso dos marinheiros de Dieppe, de La Rochelle, de Saint Malo, mas também de Argel, de Túnis, de Trípoli, de Salé, pilares de regências magrebinas. São comuns as objeções, injustas, aos marinheiros, e a sua classificação arbitrária em três categorias: os piratas, os corsários, os oficiais de marinha. Nada é mais falso: o pirata era certamente um bandido, mas tão logo o rei reconhecia suas competências, o admitia ao seu serviço, concedia-lhe autorização para perseguir o inimigo – eis, então, o nosso pirata transformado em corsário. Se o antigo bandido usando o mesmo sabre de abordagem obtivesse êxito em sua nova carreira de corsário, era promovido a capitão dos navios do rei, como Abraham Duquesne, o Velho, pirata temível, corsário talentoso e, depois, respeitável oficial de Luis XIII! Ao longo da vida, Ducasse, nascido huguenote, pôde ser o chefe dos flibusteiros de La Tortue, tenente-general das armadas navais e o velho calvinista que morreu condecorado com o Tosão de Ouro pelo Rei Católico! Ducasse é o exemplo típico do flibusteiro oficial-general. Graças ao dinheiro cobiçado, apresado e confiscado na região do Caribe, ele pôde dar um dote de 400 mil libras a sua filha única, e fazer dela a duquesa de La Rochefoucauld! Esplêndida promoção conseguida com o aporte fornecido pelos 1.600 flibusteiros de Santo Domingo, apanhados de passagem pelo barão de Pointis, em 1697, em sua excursão para saquear Cartagena-das-Índias. Os flibusteiros participaram da campanha navegando ao lado da frota do rei. Ali, além de nove milhões em prata ou em barra, o que foi tomado em pedrarias e prataria é inconcebível, escreveu Saint-Simon. Cartagena-das-Índias era o entreposto mais rico de toda a América Latina.

Os piratas formavam uma sociedade cosmopolita. Vindos da Holanda, da Zelândia, da Frísia, de Flessingue, de Dunkerque, de Honfleur, de Saint-Malo, do País Basco, da Provença ou da Bretanha, se associaram por toda parte em barbarescos, tratantes do mar, flibusteiros da região antilhana, irmãos da costa, piratas de Formosa sob as ordens do rei Koxinga, estabelecido na ilha em 1661. Piratas, eram também contrabandistas, porque era preciso escoar as cargas capturadas, no mais das vezes bens comestíveis, madeira, conservas salgadas, peixe seco – mais do que pérolas, esmeraldas e rubis. É fato que no meio do triângulo das Bermudas, as “ilhas do tesouro” fascinavam, as minas de cobre de Cartier foram tomadas por minas de ouro, a mica por diamantes, e a Louisiana de Law (John Law foi o criador da Companhia Francesa das Índias) prometia rochedos de diamantes, mas a realidade foi bem outra. A pirataria se transformou, muitas vezes, num comércio na ponta da lança (isto é, em contrabando) que se fazia com as colônias ibéricas da América do Sul e Central. Daí a sedentarização dos piratas, o que contribuiu para o povoamento das Antilhas.

As nações civilizadas acabaram sendo mais ladras que os piratas. Em 1697, os flibusteiros tiveram uma grande discussão com Pointis exigindo seu quinhão, cuja maior parte pretendiam contrabandear. Percebendo que o barão, oficial-general de Luís XIV, zombava deles, retornaram a Cartagena, pilharam-na de novo, e fizeram um rico butim, encontrando muita prata, diz ainda Saint-Simon.

A pirataria desapareceu da região do Caribe ao fim da Regência, devido à onipresença da armada real. Os flibusteiros abandonaram esse ofício que se tornara perigoso demais, para investir, graças a seus butins, nas vastas propriedades dedicadas à grande plantação açucareira.

Michel Vergé-Franceschi é professor de História Moderna da Universidade de Savóia e publicou grande número de obras, entre as quais Histoire de Toulon, PortRoyal. Ele dirigiu o Dictionnaire d'Histoire Maritime e é laureado pela Academia Francesa e pela Academia da Marinha. In: Revista História Viva.

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