"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Chineses, indianos e árabes no ano 1000: todos mais sabedores do que os europeus

Mulheres chinesas preparam seda. Gravura do século XII

No mundo mediterrânico helenizado depois de Alexandre, os sábios gregos eram numerosos. Em seguida, os romanos instruídos tinham adoptado as ideias gregas. Mas, depois do desaparecimento do Império Romano do Ocidente e da revolta dos reinos romano-germânicos, os copistas de textos tornaram-se pouco numerosos. Só alguns indivíduos de grandes famílias romanizadas que se tinham tornado cristãos sabiam ainda alguma coisa dos escritos deixados pelos romanos e pelos gregos.

[Poucos textos] Finalmente, os próprios textos quase deixaram de ser copiados. Alguns acabaram por ser "esquecidos".

Carlos Magno protegeu os mosteiros (propriedades que agrupavam religiosos ao serviço de Deus) e criou escolas de copistas. Mas os religiosos cultos interessavam-se sobretudo pela gramática e pela língua latina.

O progresso do saber científico parou no Ocidente cristão. Mas, noutros lados, os conhecimentos evoluíam e as invenções continuavam.

Cerca do ano 1000, os chineses, os indianos e os árabes eram muito mais informados do que os europeus.

[Os chineses, inventores surpreendentes] Os chineses foram os primeiros a fabricar papel. Era a época em que o Império Romano dominava o Mediterrâneo. Será necessário esperar 1200 anos, após a sua invenção na China, para que os italianos se ponham, por seu turno, a fabricá-lo pela primeira vez na Europa.

Desde a época Shang, os chineses sabiam utilizar um arnês com peitorais para os seus cavalos, ou seja, uma coleira que não magoava o pescoço dos animais. Mais tarde, utilizavam um arnês ainda mais aperfeiçoado e também inventaram o carrinho de mão. Pensamos que essas invenções se explicam por os chineses não disporem, como os egípcios ou os romanos, de uma mão-de-obra escrava. Foram assim obrigados a encontrar soluções engenhosas.

O carrinho de mão apareceu no século III a.C., mil anos antes de ter aparecido na Europa! E os arneses dos cavalos foram aperfeiçoados entre o século V e IX d.C.

A invenção chinesa do "pó de fogo", a pólvora para canhão, e a do fogo de artifício são bem conhecidos. Esse começo de guerra química não tem nada de entusiasmante. A invenção da imprensa com caracteres móveis, 400 antes dos europeus é mais fascinante.

Os sábios chineses já pensavam que o "céu" não tinha limites, que era infinito. Os sábios europeus continuavam a acreditar, tal como o grego Aristóteles, que o "céu" era formado por três camadas circulares que rodeavam a Terra.

Os chineses também foram os primeiros a inventar o íman - que, para eles, indicava o sul! Fabricaram relógios mecânicos 600 anos antes dos europeus.

[Os indianos, fabulosos matemáticos] Os nove algarismos que utilizamos, assim como o zero, foram inventados pelos indianos de um reino no vale do Ganges. Tinham inventado as bases do cálculo que hoje ainda é utilizado.

Esses números ou algarismos indianos, inventados cerca de 400 d.C., foram conhecidos na Europa cristã através dos sábios árabes-muçulmanos do Oriente Médio. Por isso lhes chamamos algarismos, ou seja, números árabes!

[Os árabes muçulmanos, conquistadores e conhecedores] No Império Bizantino (o antigo Império Romano do Oriente), os cristãos instruídos, contrariamente aos do Ocidente, eram numerosos. Os textos que tinham sido legados pelos gregos continuavam a ser conhecidos.

Depois, os árabes muçulmanos conquistaram o Egipto e a Ásia ocidental aos bizantinos, assim como a Espanha aos visigodos. Em torno dos novos soberanos árabes - os califas -, havia inúmeros filósofos e poetas que trabalhavam e escreviam. Na Espanha muçulmana, muitos sábios e filósofos eram judeus e mantinham óptimas relações com os intelectuais muçulmanos.

Ibn Siná, ou Avicena, falecido em 1037, originário da Pérsia, foi um grande pensador muçulmano.

O filósofo Ibn Rochd, conhecido pelo nome de Averróis e que vivera em Espanha, era outro desses intelectuais muçulmanos. Morreu em Marrocos em 1198.

Nessa altura, vivia em Espanha um grande pensador judeu, Moisés ben Maimon, conhecido pelo nome de Maimónidas. Tinha nascido em Córdova, na Espanha, e morreu no Cairo, no Egipto.

[Como se transmitiu o saber?] Passaram-se então coisas surpreendentes: os intelectuais muçulmanos do Médio Oriente transmitiram seus conhecimentos aos intelectuais judeus e árabes da Espanha muçulmana. E os intelectuais cristãos foram informados em seguida. Textos gregos foram traduzidos do grego para o árabe pelos intelectuais árabes do Oriente. Estes transmitiram-nos aos intelectuais de Espanha. Os filósofos judeus de Espanha conheciam o árabe e tinham contactos com intelectuais cristãos. Foi assim que os textos e as ideias dos filósofos gregos Aristóteles e Platão foram "encontrados" por intelectuais cristãos da Europa.

No século XIV, os intelectuais árabes ainda eram muito activos. Ibn Batuta, o "viajante do Islão", nascido em Tânger, em Marrocos, visitou por terra e por mar o mundo muçulmano na sua totalidade. Percorreu o equivalente a mais de três vezes uma volta ao mundo. Ibn Khaldun, originário de Tunis, falecido em 1406, foi um grande historiador, muito "moderno" na sua maneira de compreender e de explicar os acontecimentos.

Mas, nos começos na Idade Moderna, a Europa teve numerosos e inventivos intelectuais, enquanto o pensamento árabe pareceu cair numa espécie de longo sono.

CITRON, Suzanne. A História dos Homens. Lisboa: Terramar, 1999. p. 125-129.

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