"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Era Vargas III: o mito Vargas

Como todos os mitos políticos, Vargas não surgiu do vazio. Vargas foi, ou é ainda, o mito que representava o Estado nacional organizado, a legislação trabalhista, a soberania, o nacionalismo, a brasilidade, a defesa dos humildes. Era o "pai dos pobres" e o chefe com qualidades excepcionais. Como se deu esta criação? Como um político parecido com tantos outros pôde ser transformado em um tipo único, superior e exemplar? Isso só pode ser explicado pelo longo e sofisticado processo de propaganda e pelas muitas providências tomadas pelo poder centralizados e autoritário do Estado Novo.

O mito Vargas começou a ser construído pelo Estado Novo quando foi montada uma ampla rede de censura e propaganda. O DIP, órgão que se encarregava dessas tarefas, dedicou-se com afinco a promover a imagem do ditador. Eram produzidos filmes mostrando, de forma heróica, a obra e a vida de Getúlio Vargas, as inaugurações que fazia e as homenagens que recebia. Esses filmes eram exibidos nos cinemas e nas escolas. Várias festividades foram criadas e constituíam ocasiões especiais em que o presidente se dirigia às massas e era por elas saudado. Exemplos disso eram as festividades do Dia do Índio e do aniversário do presidente (19 de abril), do Dia do Trabalho (1º de maio), do Dia da Raça (10 de junho) e do Dia da Pátria (7 de setembro).

Nessas datas costumava haver, normalmente em estádios de futebol, grandes desfiles de crianças e jovens, uniformizados e devidamente treinados para que a parada fosse uma demonstração de grandiosidade da Pátria e de seu chefe. Retratos de Vargas eram distribuídos entre os que desfilavam e por eles carregados de modo que ele fosse a imagem mais presente na cerimônia. As músicas evocavam também a liderança do chefe e o patriotismo do povo, e tudo era preparado para que a beleza estética das cores, dos movimentos, das imagens fosse também grandiosa. [...]

Livros como Getúlio Vargas para crianças e História de um menino de São Borja [sua cidade natal] mostravam regularmente uma ideia pejorativa das atividades políticas democráticas e a "coragem" de Getúlio em destruí-las quando se transformou em ditador. A ditadura, que silenciava a todos, era apresentada como obra do gênio para proteger seu povo, e os que a ela se opunham eram tratados como inimigos da nação.

Propaganda do Estado Novo, mostrando Vargas ao lado de crianças

Além da propaganda oficial, registrada em documentos escritos e audiovisuais, foram surgindo aos poucos manifestações da cultura popular que evidenciavam aqueles sentimentos de exaltação a Vargas e ao povo brasileiro. É possível, por exemplo, encontrar um amplo conjunto de músicas que enaltecem a figura de Vargas. A literatura de cordel foi abundante nesse sentido.


No imaginário popular, predominou a imagem de um chefe protetor, qualidade indicada como superior, ou até mesmo independente, de suas tendências e de sua trajetória política. De certa forma, o mito Vargas teria cumprido o papel sonhado por seus mentores: tornou-se uma forma simbólica de comunicação entre o líder e seus liderados, uma maneira de relacionamento entre a massa e o chefe de governo, uma especial modalidade de patriotismo e de obediência política. [...]

D'ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. p. 91-95.

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