"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 3 de maio de 2012

"Enterrem meu coração na curva do rio": a diversidade cultural das tribos indígenas norte-americanas

[...] Foi então, no começo da década de 1860, que os homens brancos entraram em guerra entre si - os Casacos Azuis contra os Casacos Cinza, a Grande Guerra Civil. Em 1860, havia provavelmente 300 mil índios nos Estados Unidos e territórios, a maioria deles vivendo a oeste do Mississípi. Segundo cálculos que variam, seu número diminuíra da metade, ou de dois terços, desde a chegada dos primeiros colonos à Virgínia e Nova Inglaterra. Os sobreviventes agora estavam pressionados entre as populações brancas em expansão no Leste e no litoral do Pacífico - mais de 30 milhões de europeus e seus descendentes. Se as tribos livres remanescentes acreditavam que a Guerra Civil dos homens brancos trouxesse qualquer trégua em suas pressões por territórios, logo se desiludiriam.

Seis chefes tribais fotografados a cavalo em 1900, durante um encontro. Da esquerda para a direita: Little Plume (piegan), Buckskin Charley (ute), Geronimo (apache chiricahua), Quanah Parker (comanche), Hollow Horn Bear (sioux brulé), e American Horse (sioux oglala). Foto de Edward S. Curtis.

A mais numerosa e poderosa tribo do Oeste eram os Sioux, ou Dakota, separados em várias subdivisões. Os Sioux Santee viviam nas florestas de Minnesota e, durante alguns anos, retiraram-se ante o desenvolvimento dos acampamentos. Corvo Pequeno, dos santee mdewakanton, depois de ser levado a uma viagem pelas cidades do Leste, convencera-se de que não poderia haver resistência ao poder dos Estados Unidos. Ele estava tentando, relutantemente, levar sua tribo pelo caminho do homem branco. Wabasha, outro líder santee, também aceitara o inevitável, mas tanto ele como Corvo Pequeno estavam determinados a se opor a qualquer outra cessão de suas terras.

O chefe sioux Touro Sentado, fotografado em 1881 com o calumet, um longo cachimbo usado em cerimoniais. Foto de Orlando Scott Goff

Mais ao oeste, nas Grandes Planícies, viviam os sioux teton, todos índios cavaleiros e completamente livres. Estavam bastante aborrecidos com seus primos santee das florestas por terem capitulado diante dos colonos. Mais numerosos e mais confiantes em sua capacidade de defender seu território eram os tetons oglala. No começo da Guerra Civil dos brancos, seu líder principal era Nuvem Vermelha, de 38 anos, um astuto chefe guerreiro. Ainda jovem demais para ser guerreiro, era Cavalo Doido um inteligente e destemido adolescente oglala.

Entre os hunkpapas, uma divisão menor dos sioux teton, um jovem, com seus 25 anos, já conseguira reputação de caçador e guerreiro. Em conselhos tribais ele defendera a oposição radical a qualquer invasão de homens brancos. Era Tatanta Yotanka, o Touro Sentado. Era o mentor de um menino órfão chamado Galha. Junto com Cavalo Doido, dos oglalas, fariam história dezesseis anos depois, em 1876.

Embora ainda não tivesse 40 anos, Cauda Pintada era o porta-voz principal dos tetons brulé, que viviam nas planícies do extremo oeste. Cauda Pintada era um belo e sorridente índio que gostava de festas alegres e mulheres complacentes. Adorava seu modo de vida e a terra em que vivia, mas estava disposto a negociar para evitar a guerra.

Intimamente ligados com os sioux teton eram os cheyennes. Nos velhos tempos, os cheyennes viviam no território do Minnesota, dos sioux santee mas gradativamente se mudaram para oeste e conseguiram cavalos. Agora, os cheyennes do norte dividiam o Rio Powder e o território de Big Horn com os sioux, frequentemente acampado perto deles. Faca Embotada, com seus 40 anos, era um líder importante do ramo norte de sua tribo. (Por seu próprio povo, Faca Embotada era chamado Estrela Matutina, mas os sioux chamavam-no de Faca Embotada e a maior parte dos relatos contemporâneos costuma chamá-lo assim.)

Os cheyennes do sul dirigiram-se para baixo do Rio Platte, estabelecendo aldeias nas planícies do Colorado e de Kansas. Chaleira Preta, do ramo sul, havia sido um grande guerreiro em sua juventude. No fim de sua meia-idade, era o chefe reconhecido, mas os jovens e os hotomitaneios (dog soldiers) dos cheyennes do sul estavam mais inclinados a seguir líderes como Touro Alto e Nariz Romano, que estavam em seu vigor.

Os arapahos eram velhos companheiros dos cheyennes e viviam nas mesmas áreas. Alguns continuaram com os cheyennes do norte, outros seguiram o ramo sul. Corvo Pequeno, em seus quarenta anos, era o chefe mais conhecido nessa época.

Ao sul das áreas de búfalos de Kansas-Nebraska havia os kiowas. Alguns dos kiowas mais velhos podiam lembrar as Black Hills, mas a tribo fora forçada a ir para o sul ante o poder conjunto dos sioux, cheyennes e arapahos, Por volta de 1860, os kiowas haviam feito paz com as tribos das planícies do norte e se tornaram aliados dos comanches em cujas planícies sulinas haviam entrado. Os kiowas tinham vários grandes líderes - um chefe idoso, Satank; dois vigorosos guerreiros de aproximadamente 30 anos, Satanta e Lobo Solitário; e um estadista inteligente, Pássaro Saltador.

Os comanches, constantemente em marcha e divididos em muitos grupos pequenos, não tinham a liderança de seus aliados. Dez Ursos, muito velho, era mais um poeta que um chefe guerreiro. Em 1860, o mestiço Quanah Parker, que levaria os comanches a uma grande e última luta para salvar uma área de búfalos, ainda não tinha 20 anos.

No árido sudoeste, havia os apaches, veteranos de 250 anos de guerra e de guerrilhas com os espanhóis, que lhes ensinaram as refinados artes da tortura e da mutilação, mas que nunca os derrotaram. Embora poucos - provavelmente não mais que 6 mil, divididos em vários grupos - sua reputação como defensores tenazes de sua árida e impiedosa terra já estava consagrada. Mangas Colorado, no fim dos seus 60 anos, assinara um tratado de amizade com os Estados Unidos, mas já estava desiludido pelo influxo de mineiros e soldados em seu território. Cochise, seu genro, ainda acreditava que poderia coexistir com os americanos brancos. Victorio e Delshay não confiavam nos invasores brancos e os evitavam. Nana, com seus 50 e poucos anos, mas duro como couro cru, considerava os brancos de fala inglesa iguais aos mexicanos de fala espanhola que ele combatera a vida toda. Gerônimo, com 20 anos, ainda não se salientava.

Os navajos ficavam próximos dos apaches, mas a maior parte dos navajos seguira o caminho do branco espanhol e estava criando carneiros e cabras, cultivando cereais e frutas. Como criadores e tecelões, alguns grupos da tribo ficaram ricos. Outros navajos continuavam nômades, atacando seus velhos inimigos, os pueblos, os colonos brancos ou membros prósperos de sua própria tribo. Manuelito, um criador bigodudo e musculoso, era o chefe principal - escolhido por uma eleição dos navajos, realizada em 1855. Em 1859, quando alguns navajos selvagens atacaram cidadãos dos Estados Unidos em seu território, o Exército americano replicou, não caçando os culpados, mas destruindo os hogans [cabanas] e atirando em todo o gado de Manuelito e membros de seu grupo. Por volta de 1860, Manuelito e alguns seguidores navajos entraram numa guerra não declarada contra os Estados Unidos no norte do Novo México e no Arizona.

Nas Montanhas Rochosas, ao norte dos territórios dos apaches e navajos, havia os utes, uma agressiva tribo montanhosa, inclinada a atacar seus vizinhos mais pacíficos do sul. Ouray, seu líder mais conhecido, favoreceu a paz com os homens brancos a ponto de alistar seus guerreiros como mercenários contra outras tribos índias.

No extremo oeste, a maioria das tribos eram muito pequenas, muito divididas ou muito fracas para oferecer muita resistência. Os modocs da Califórnia do Norte e do sul do Oregon, menos de uma centena, lutaram por suas terras travando guerrilhas. Kintpuash, chamado Capitão Jack pelos colonos da Califórnia, era apenas um jovem em 1860. Sua trajetória como líder chegaria ao auge doze anos depois.

A noroeste dos modocs, os nez percés viveram em paz com os brancos [...]. Em 1855, um ramo da tribo cedeu terras dos nez percés aos Estados Unidos para colonização e concordou em viver dentro dos limites de uma ampla reserva. Outros grupos da tribo continuaram a vagar entre as montanhas Azuis do Oregon e as Bitterroots de Idaho. Devido à amplidão do território do Noroeste, os nez percés acreditavam que sempre haveria terra suficiente para brancos e índios usarem como entendessem. Heinmot Tooyalet, depois conhecido como Chefe Joseph, teria de tomar uma decisão fatal em 1877, entre a paz e a guerra. Em 1860, tinha 20 anos, era filho de um chefe.

No território do Nevada dos paiutes um Messias futuro chamado Wovoka, que depois teria uma influência breve mas poderosa sobre os índios do oeste, só tinha quatro anos em 1860.

Durante os trinta anos que se seguiram, esses líderes e muitos outros entrariam na história e na lenda. Seus nomes se tornariam tão conhecidos quanto os dos homens que tentavam destruí-los. A maioria deles, jovens e velhos, cairia por terra bem antes do final simbólico da liberdade índia, em Wounded Knee, em dezembro de 1890. Agora, um século depois, são talvez os mais heróicos de todos os americanos.

BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. São Paulo: Círculo do Livro, s.d., p. 26-29.

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