"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 17 de março de 2012

O fenômeno 2012

Tempestades solares, inversão dos pólos magnéticos da Terra, erupção de um supervulcão, cataclismo planetário... Entenda como o mercado da catástrofe transformou uma data ritual maia em sinônimo de fim dos tempos

por Bruno Fiuza

Descoberta em 1790 na Cidade do México, a Pedra do Sol é uma representação da doutrina das Eras do Mundo que os astecas herdaram dos maias.

Assim como aconteceu por volta do ano 1000, a chegada do terceiro milênio foi acompanhada pela proliferação de profecias escatológicas. Agora, porém, os supostos presságios de cataclismo não vêm da tradição cristã, mas de uma antiga civilização que surgiu em meio às florestas tropicais da América Central e viveu seu período de apogeu entre os séculos II e IX: os maias.

Para esse povo, o ano de 2012 marca o fim de um ciclo de 5.125,36 anos de seu calendário. Segundo a tradição maia, ao fim de cada ciclo a humanidade entra em uma nova era [...].

O sistema de Conta Longa do calendário maia foi utilizado por séculos, até desaparecer após a decadência dos centros de poder do Período Clássico, no século IX. No entanto, cerca de mil anos mais tarde os boatos da existência de uma civilização perdida nas florestas do sul do México despertaram o interesse de exploradores modernos como o mexicano Antonio del Rio, o francês Jean-Frédéric Maximilien de Waldeck, o americano John Lloyd Stephens e o inglês Frederick Catherwood. Entre as décadas de 1820 e 1840 eles localizaram as primeiras ruínas de cidades maias e, com elas, os vestígios dos sistemas de escrita e de calendário dessa civilização.

Inspirado por essas descobertas, na década de 1880 o pesquisador inglês Alfred Maudslay fotografou os glifos gravados nas ruínas localizadas até então. Ao analisar essas imagens, o americano Joseph Goodman identificou o funcionamento do calendário maia. Na mesma época, o alemão Ernst Förstemann chegava a conclusões semelhantes ao estudar textos maias reunidos no Códice de Dresden.

Em 1905, Goodman apresentou um modelo de correlação entre as datas da Conta Longa do calendário maia e as do calendário gregoriano. Sua teoria foi complementada pelo antropólogo mexicano Martinez Hernández e pelo arqueólogo inglês J. Eric S. Thompson na década de 1920. O trabalho combinado dos três deu origem à fórmula usada atualmente para converter as datas da Conta Longa do calendário maia para o calendário gregoriano.

As analisar essas datas à luz da cosmologia maia, os pesquisadores chegaram a uma constatação para esse povo, a história do mundo se dividia em eras de 5.125,36 anos, e cada vez que um desses ciclos terminava nosso planeta passava por um período de intensa renovação, quando começava uma nova etapa para a humanidade.

Como a Longa Data do calendário maia era extremamente precisa e informava que a era atual havia começado em 11 de agosto de 3114 a.C., o arqueólogo americano Michael Coe calculou que o atual ciclo terminaria em 24 de dezembro de 2011. Coe publicou essa data final em seu livro Os maias, de 1966, mas pesquisas posteriores demonstraram que a conta estava errada. O equívoco foi corrigido nas edições seguintes da obra, e hoje a data mais aceita para o fim do ciclo é 21 de dezembro de 2012.

Até esse momento, o calendário maia era um assunto restrito a pesquisadores especializados, mas no início da década de 1970 ocorreu uma mudança que transformaria 2012 em um fenômeno de massas, como explica o pesquisador americano John Major Jenkins em seu livro 2012 - A história. Nessa época, dois escritores americanos viram nas traduções místicas dos povos ancestrais do México um antídoto para os males da civilização industrial moderna.

O primeiro foi Tony Sheaner, jornalista de Denver que no fim da década de 1960 largou tudo para viver no México. No início dos anos 1970 ele publicou dois livros em que relacionou a cosmologia e os ciclos de calendário utilizados pelos astecas para formular uma teoria segundo a qual a humanidade estaria vivendo os últimos momentos de um ciclo que terminaria em 1987. Nessa data que se batizou de Convergência Harmônica, o planeta passaria por um renascimento espiritual que marcaria o início de uma nova era.

O segundo foi Frank Waters, que em 1975 publicou um livro no qual estudou o significado místico da Conta Longa do calendário maia. Segundo Waters, os ciclos de 5.125,36 anos se baseariam em cálculos astronômicos e astrológicos e estariam ligados a uma doutrina de Eras do Mundo. Por ter sido o primeiro autor a tratar o fim de um ciclo do calendário maia como um marco de transformação espiritual, Jenkins afirma que Waters "pode ser considerado o homem que desencadeou o fenômeno 2012".

Inspirado por essas descobertas, o escritor americano José Arguelles organizou um grande evento para celebrar a Convergência Harmônica que Sheaner havia previsto para 1987. Nesse mesmo ano, Arguelles publicou um livro chamado O fator maia, no qual apresentou sua própria interpretação espiritual dos ciclos de Conta Longa. Segundo ele, 2012 seria uma nova Convergência Harmônica, que provocaria uma grande transformação espiritual na Terra.

Graças ao sucesso do livro e da Convergência Harmônica de 1987, Arguelles se tornou o líder de movimento que se propunha a adotar o calendário maia e viver de acordo com seus princípios. Em 1991, o escritor desenvolveu um sistema de contagem de tempo batizado de Dreamspell, que ele inicialmente apresentou como uma versão moderna do próprio calendário maia, mas que tinha diferenças importantes em relação à contagem de dias tradicional desse povo.

* A invenção da catástrofe. O movimento criado por Arguelles transformou o calendário maia em um fenômeno pop, mas ele mesmo não via 2012 como o fim do mundo. As teorias que associavam o fim do atual ciclo a cenários catastróficos ganharam força a partir da década de 1990.

Em 1995, o engenheiro e cientista Maurice Cotterell e o escritor Adrian Gilbert publicaram o livro As profecias maias, que apresenta a teoria desenvolvida por Cotterell segundo a qual os ciclos de Conta Longa do calendário maia estariam relacionados a ciclos de atividade solar. Segundo o cientista, o fim da era atual em 2012 coincidiria com um enorme aumento das explosões no interior do Sol, quando o astro envia nuvens de prótons e elétrons em direção à Terra que poderiam inverter os pólos magnéticos do planeta.

Cotterell não apresenta nenhuma evidência concreta tirada da cultura maia que respalde sua tese, mas o sucesso comercial de As profecias maias popularizou essas ideias. Algumas foram retomadas pelo escritor americano Lawrence Joseph no livro Apocalipse 2012, publicado em 2004. Joseph se baseia na teoria do pico da atividade solar em 2012 e acrescenta alguns elementos à fórmula: segundo ele, o fenômeno poderia ser acompanhado por megarrajadas de radiação com potencial para acabar com a vida em nosso mundo, provocar a inversão dos pólos magnéticos da Terra e aquecer o núcleo do planeta a tal ponto que um supervulcão localizado sob o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, entraria em erupção.

Por causa dessas teorias absurdas, sem nenhuma ligação com o antigo pensamento maia, o estudo do significado de 2012 para essa civilização foi praticamente descartado pelos pesquisadores acadêmicos. Muitos especialistas afirmam que os maias nunca fizeram nenhuma menção a 2012 e que tudo não passaria  de uma grande invenção moderna.

[...]

Bruno Fiuza. O fenômeno 2012. In: Revista História Viva. Ano IX, n. 99. p. 46, 48-49.

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