"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O olhar do historiador: as cruzadas

Cruzados sedentos perto de Jerusalém, Francesco Hayez

Texto 1. No entanto, essa barbárie dos povos do Ocidente não se assemelhava à dos turcos, cuja religião e costumes repeliam toda espécie de civilização e de luz [...]. Foi nas vizinhanças de Helenópolis que os cruzados viram acorrer para suas tendas vários soldados do exército de Pedro, que, tendo fugido à matança, tinham se escondido nas montanhas e nas florestas vizinhas. Uns estavam cobertos de andrajos, outros, nus, muitos, feridos. Mortos de fome, sustentavam dificilmente os restos de uma vida miserável, que tinham disputado, por sua vez, às estações do ano e à barbárie dos turcos. O aspecto desses infelizes fugitivos, a narração de suas misérias espalharam a tristeza no exército cristão; correram lágrimas de todos os olhos, quando souberam dos desastres dos primeiros soldados da cruz [...]. Os cruzados avançavam em silêncio, encontrando por toda a parte ossadas humanas, trapos e bandeiras, lanças quebradas, armas cobertas de poeira e de ferrugem, tristes restos de um exército vencido. No meio desses quadros sinistros, não puderam ver, sem estremecer de dor, o acampamento onde [...] os cristãos tinham sido surpreendidos pelos muçulmanos, mesmo no momento em que seus sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa. As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a fraqueza ou a doença conservava sob as tendas, perseguidos até os altares, tinham sido levados para a escravização ou imolados por um inimigo cruel. A multidão dos cristãos massacrada naquele lugar, tinha ficado sem sepultura. J. F. Michaud. História das cruzadas. São Paulo: Ed. das Américas, 1956. p. 58.

Prisioneiros cristãos. Século XIII.

Texto 2. "Nunca os muçulmanos foram humilhados dessa forma", repete al-Harawi, "nunca antes suas terras foram tão agressivamente devastadas". [...] Foi, de fato, na sexta-feira 22 do tempo de Chaaban, do ano de 492 da Hégira, que os franj se apossaram da Cidade Santa, após um sítio de quarenta dias. Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espelham pelas ruas o sabre constante, desembainhando, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas, saqueando as mesquitas.

Atrocidades cometidas pelos cruzados. Século XIII. Autor desconhecido.

Dois dias depois de cessada a chacina não havia mais um só muçulmano do lado de dentro das cidades. Alguns aproveitaram-se da confusão para fugir, pelas portas que os invasores haviam arrombado. Outros jaziam, aos milhares, em poças de sangue na soleira de suas casas ou nas proximidades das mesquitas. [...] Os últimos sobreviventes forçados a cumprir a pior das tarefas: transportar os cadáveres dos seus, amontoando-os, sem sepultura, nos terrenos baldios para em seguida queimá-los. Os sobreviventes por sua vez deveriam proteger-se para não serem massacrados ou vendidos como escravos.

Batalha de Ager.

O destino dos judeus de Jerusalém foi igualmente atroz. Durante as primeiras horas de batalha, vários deles participaram da defesa de seu bairro, a Judiaria, situada ao norte da cidade. Mas quando a parte da muralha que delimitava suas casas desmoronou, os judeus se apavoravam, vendo que os louros cavaleiros começavam a invadir as ruas da cidade. A comunidade inteira, reproduzindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga principal para rezar. Os franj então bloquearam todos os acessos. Depois, empilhando feixes de lenha em torno, atearam fogo. Os que tentavam sair eram mortos nos becos vizinhos, os outros, queimados vivos. Amin Maalouf. As cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 12.

Nenhum comentário:

Postar um comentário