"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Cinema e História: "1492: a conquista do paraíso"

Cena do filme "1492: a conquista do paraíso" [Direção: Ridley Scott; produção: França, Espanha, Inglaterra; Duração: 155 minutos]

O filme narra os preparativos e as viagens empreendidas pelo navegador Cristóvão Colombo que resultaram no descobrimento, na conquista e na colonização da América. Produzido em 1992, é um épico que comemora os 500 anos da chegada dos europeus ao continente americano, quando se discutiu o caráter desse fato: "descoberta" ou "conquista"?

Como toda obra cinematográfica com temática histórica, há duas dimensões importantes a considerar: o fato histórico representado (o contexto europeu da descoberta e da colonização da América) e o momento da produção de sua representação. O título do filme indica a opção do diretor, que desenvolveu a narrativa enfatizando as diferenças - sociais, econômicas e culturais - e as relações que se estabeleceram, por um lado, entre o velho continente europeu, as expectativas e necessidades de uma sociedade em transformação e, por outro, o Novo Mundo, conjunto de terras e povos cuja história foi radicalmente modificada em função desse contato. O tema principal do filme é de fato o encontro e o choque entre culturas.

A narrativa foi construída com base em dados e documentos históricos: os diários de Colombo, parte da obra de frei Bartolomé de Las Casas (História das Índias) e um texto do filho de Colombo, Fernando. Os dados que esses documentos apresentam foram interpretados pelo diretor à luz da perspectiva que assumiu na discussão do significado do fato histórico. O narrador é Fernando, e a história pode ser dividida em três grandes etapas: a preparação da viagem, a viagem propriamente dita e o regresso e novas viagens.

O cenário é constituído de paisagens europeias, pelo oceano e por paisagens americanas e enfatiza o clima de aventura. Os diálogos entre as personagens mostram as dificuldades e as expectativas dos homens do final do século XV. A ligação entre esses mundos é estabelecida pelo personagem principal, que realiza uma viagem, "descobre" novas terras e retorna para contar o seu feito. A "descoberta" aparece como uma aventura; Colombo, como um homem de grandes feitos (um herói); seus patrocinadores, como benfeitores (embora tenham seus interesses particulares); e os habitantes do Novo Mundo, chamados por ele de índios, como criaturas puras e dóceis. Depois dessa primeira viagem, a da "descoberta" e do "encontro", vieram outras, que representam os primórdios da conquista e da colonização.

Em toda a primeira parte, Colombo aparece como um navegador que crê na possibilidade de atingir "el levante por el poniente", isto é, chegar ao Oriente navegando para o Ocidente. É um homem de ciência e técnica, um homem moderno, que conhece as teorias dos antigos sobre a forma esférica da Terra e luta para conseguir convencer os homens poderosos de seu tempo - os reis católicos (Fernando de Aragão e Isabel de Castela), os clérigos e universitários, os grandes comerciantes - de que esses conhecimentos permitiriam atingir as Índias, terra das valiosas especiarias. Isso atenderia às necessidades de ampliação dos mercados europeus afetados pela crise do século XIV. Atenderia principalmente às necessidades da Espanha, recém-saída do processo de Reconquista. Colombo percorre diversos ambientes - o mosteiro, a cidade, a universidade - e defende suas teses. É um homem determinado. Mas esses mesmos episódios indicam que ele é um homem medieval, pois crê na existência de um paraíso terrestre e entende que possui, como cristão, a missão de propagar o Cristianismo. Assim, Colombo dá continuidade ao espírito de cruzada que presidia à Reconquista.

A primeira viagem está representada como uma saga: com apenas uma nau (Santa Maria) e duas caravelas (Pinta e Nina), o navegador partiu do porto de Palos a 3 de agosto de 1492 e fez escala nas ilhas Canárias para reparo de uma das embarcações. Enfrentou motins da tripulação e intempéries, até avistar, em 12 de outubro do mesmo ano, a ilha de Guaani (atual San Salvador, nas pequenas Antilhas), acreditando ter atingido o Oriente. Enquanto não encontrava os ricos mercados referidos por viajantes medievais, como Marco Polo, Colombo procurou interagir com os nativos e iniciou a construção de um posto comercial fortificado. Recolhia provas de seu feito - metais preciosos e indígenas - para retornar ao Velho Mundo como vencedor. O paraíso tinha sido descoberto, iniciava-se ao mesmo tempo sua invasão.

Os europeus foram considerados pelos índios como deuses, mas desde a primeira viagem ficou evidente que se tratava de homens diferentes e violentos. A morte de um índio, depois da partida de Colombo, provocou a rebelião e a destruição da fortificação espanhola. O choque de culturas quebrou o encanto do encontro. As demais viagens de Colombo representam o estabelecimento dos fundamentos da ocupação e da colonização europeias. O herói da primeira fase vai se humanizando, assumindo o papel de conquistador.

Desencantado também, Colombo lutou para garantir seus direitos sobre a descoberta. Mas morreu pobre aquele que foi um dos navegantes mais ousados de sua época. E a obra de seu filho, escrita para que Fernando pudesse reivindicar os direitos do pai como herança, acabou servindo apenas como registro do grande feito: o descobrimento e o desencantamento do mundo pelos europeus.

PEDRO, Antonio et alli. História da civilização ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p 175-176.

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