"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"O milho, uma planta milagrosa"


Astecas armazenando milho. Codex Florentino

Produto da capacidade criativa do homem e do seu trabalho, o milho, conhecido na época do descobrimento, tinha sido desenvolvido a partir de um primitivo cereal. Constituiu uma extraordinária conquista agrícola e de civilização para os povos que conseguiram cultivá-lo e fazer dele seu alimento básico. Daí seu caráter sagrado.

Há quem afirme que o milho tem sua origem em um cereal silvestre do México, chamado teocintle. A partir de seu âmbito original se difundiu e acabou por ser cultivado pelas três grandes civilizações e outros povos [...]. O Popol Vuh dos Maias (compêndio de mitologias, de explicações do universo, histórias e tradições dos povos Maia Quiché) diz que a matéria dos primeiros homens foi o milho. Os Astecas, adoradores do deus Quetzalcoatl, deidade benéfica, atribuíram-lhe a descoberta do milho. (Diga-se de passagem que uma notável novela de Miguel Angel Astúrias, escritor guatemalteco, tem o título: "Homens de milho").

No vale de Anahuac, hoje vale do México, o cultivo do cereal permitiu a subsistência de uma população estimada em 25 milhões de pessoas (densidade média: 50 habitantes por quilômetro quadrado). Essa enorme concentração populacional não é fruto da imaginação delirante de alguns cronistas facilmente impressionáveis. É o resultado a que se chegou através de sérios e escrupulosos trabalhos de cientistas da Universidade de Berkeley, Estados Unidos. Daí o historiador francês Fernand Braudel dizer: "O milho é, certamente, uma planta milagrosa". Sua capacidade de produzir alimento por hectare semeado foi suficientemente alta, para permitir que 25 milhões de pessoas se alimentassem decentemente.

* O conuco: outro milagre. Trata-se de um tipo de exploração agrícola que recebeu esse nome de Frei Bartolomeu de Las Casas [...].

O conuco constitui a associação complementar de várias plantas comestíveis, como por exemplo o milho, a mandioca e a batata doce. Depois do milho, o outro grande alimento é a mandioca. No século XV, quando os espanhóis desembarcaram na ilha de São Domingos (hoje ocupada pela República Dominicana e Haiti), ficaram perplexos com a quantidade de pessoas que nela habitava. Os cálculos atuais assinalam, aproximadamente, oito milhões de habitantes para a ilha no momento da conquista, com uma densidade média de população de cem pessoas por quilômetro quadrado (o dobro do vale de Anahuac). O segredo estava no conuco.

Um hectare dessa associação das três plantas alimentícias equivalia, em valor alimentício a um hectare de arroz, com a vantagem de exigir uma técnica produtiva mais rudimentar e menos trabalho humano. A produtividade do conuco em terras vulcânicas muito ricas em sais minerais fertilizantes, foi no seu tempo a mais alta do continente e uma das mais elevadas do mundo.

POMER, León. História da América hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 5-6.

E o milho
Milagre genético
De nascer.
Germina.
Vence os inimigos.
Aponta aos
Milhares.
Seis grãos na cova.
Quatro na regra,
Dois na quebra.
Um canudinho
Enrolado.
Amarelado pálido,
Frágil, dourado, se
Levanta. Cria
Substância.
Passa a verde.
Liberta-se. Enraíza.
Abre folhas
Espaldeiradas.
Encorpadas.
Encana. Disciplina,
Com os poderes
De Deus.
(Cora Coralina)

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