"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 11 de março de 2011

Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural norte-americana

Cartaz mostrando Tio Sam na Primeira Guerra Mundial. Ilustração de James Flagg, 1917.

Tio Sam é a personificação nacional dos Estados Unidos da América e um dos símbolos nacionais mais famosos do mundo. O nome Tio Sam foi usado primeiramente durante a Guerra anglo-americana em 1812, mas só foi desenhado em  1852. Ele é geralmente representado como um senhor de fisionomia séria com cabelos brancos e barbicha. O Tio Sam é representado vestido com as cores e elementos da bandeira norte-americana - por exemplo, uma cartola com listras vermelhas e brancas e estrelas brancas num fundo azul, e calças vermelhas e azuis listradas.

A difusão de certos aspectos da cultura norte-americana é um fato inescapável de nosso tempo. Vivemos no Brasil cercados de videocassestes e vídeo games, comemos hot dogs, hambúrgueres e chips, tomamos soda e Coca-Cola, vestimos T-shirts e blue-jeans. Os filhos de famílias mais aquinhoadas possuem skates, pranchas de surf e apreciam o motocross. Ouvimos rocks e souls produzidos por bands intituladas Kiss, Village People e assemelhados. Fenômenos sociais ligados à juventude atravessaram fronteiras e aqui se estabeleceram com os nomes de origem, desde os beatniks, passando pelos hippies e chegando aos punks. Temos até a novidade patológica do momento: a Aids.

Na década de 50. as crianças brasileiras já brincavam de bandido e mocinho, reproduzindo o famoso camôni, boy! consagrado  nas telas do cinema. Àquela época, já dizíamos okay, morávamos num big país, líamos gibis e íamos ao cinema aos sábados ver filmes de far-west. Batman, capitão Marvel, Jesse James e o mito John Wayne povoavam a fantasia infantil brasileira naqueles anos.

Para sermos mais exatos, a chegada visível de Tio Sam ao Brasil aconteceu mesmo no início dos anos 40, em condições e com propósitos muito bem definidos.

Proclamava-se a ideia de uma política de boa vizinhança entre os Estados Unidos e os demais países americanos. Essa boa vizinhança significaria um convívio harmônico e respeitoso entre todos os países do continente. Significaria também uma política de troca generalizada de mercadorias, valores e bens culturais entre os Estados Unidos e o restante da América.

Foi nesse contexto que os brasileiros aprenderam a substituir os sucos de frutas tropicais por uma bebida de gosto estranho e artificial chamada Coca-Cola. Começaram também a trocar os sorvetes feitos em pequenas sorveterias pelo sorvete industrializado chamado Kibon. Aprenderam a mascar uma goma elástica chamada chiclet e começaram a usar palavras novas que foram se incorporando à sua língua falada e escrita. Passaram a ouvir o foxtrot, o jazz, o boggie-woo-gie, entre outros ritmos, a voar nas asas da Pan Am (Pan American), deixando para trás os "aeroplanos" da Lati e da Condor, e começaram a ver muito mais filmes produzidos em Hollywood.

A boa vizinhança apresentava-se como uma avenida larga, de mão dupla, isto é, um intercâmbio de valores culturais entre as duas sociedades. Na prática, a fantástica diferença de recursos de difusão cultural dos dois países produziu uma influência de direção praticamente única, de lá para cá. Nossos compositores populares perceberam e expressaram criticamente em suas músicas o fenômeno. Nos versos de Assis Valente, por exemplo:

O Tio Sam está querendo
conhecer a nossa batucada.
Anda dizendo que o molho da baiana 
melhorou o seu prato...
Eu quero ver, eu quero ver
eu quero ver o Tio Sam tocar
pandeiro para o mundo sambar...

A partir de 1941, o Brasil foi literalmente invadido por missões de boa vontade americanas, compostas de professores universitários, jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários, etc. - todos empenhados em estreitar os laços de cooperação com brasileiros -, além das múltiplas iniciativas oficiais.

Devem-se reconhecer os aspectos positivos dessa difusão cultural norte-americana, porque ela contribuía de algum modo para o intercâmbio de ideias e aquisições reais de saber técnico e científico. De outro lado, porém, é preciso reconhecer o preconceito que orientava boa parte desse intercâmbio, como também o fato de que ele constituía um elemento-chave de uma construção imperialista durante a guerra e o pós-guerra. Adaptado de: MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil - a penetração cultural norte-americana. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 7-12. 

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